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Docente do curso de Direito da UniFTC destaca a importância de transversalizar debates e incluir o estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente no currículo da educação básica
Em 13 de julho de 2024, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) celebra 34 anos de existência. Desde a sua promulgação em 1990, através da Lei nº 8.069, o ECA tem sido um marco fundamental na promoção, defesa e proteção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil. Reconhecido internacionalmente por sua abrangência e inovação, o ECA tem contribuído significativamente para avanços como a universalização da escola pública e a redução da mortalidade infantil, além de ter instituído os Conselhos Tutelares e as Varas da Infância e Juventude.
Apesar desses avanços, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos, como altos níveis de violência contra crianças e adolescentes e o aumento dos casos de abuso e exploração, especialmente por meio da Internet. Em 2023, o Disque 100 registrou um aumento alarmante de 68% nas denúncias. Apenas nos primeiros quatro meses do ano, foram contabilizadas 69,3 mil denúncias e 397 mil violações de direitos humanos envolvendo crianças e adolescentes. Dentre essas, 9,5 mil denúncias e 17,5 mil violações referem-se a violências sexuais, físicas – como abuso, estupro e exploração sexual – e psíquicas.
Para discutir esses desafios e o futuro do ECA, entrevistamos o Prof. Dr. Igor Peneluc, docente do curso de Direito do Centro Universitário UniFTC de Salvador, Doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social e Mestre em Desenvolvimento e Responsabilidade Social, que fez uma análise sobre os avanços e obstáculos enfrentados pelo ECA ao longo das últimas três décadas.
O ECA completa 34 anos em 2024. Quais são, na sua opinião, as maiores conquistas do Estatuto?
O ECA é uma normativa amplamente protetiva às crianças e aos adolescentes, cuja responsabilidade não é apenas do Estado, mas de toda a sociedade. Foi promulgado em 13 de julho de 1990, pela Lei nº 8.069/1990, em consonância com nossa Constituição Federal atual, como evidenciado pelo seu artigo 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Esse Estatuto proíbe qualquer tratamento discriminatório às crianças e aos adolescentes e amplia o leque de proteção à vida, dignidade, saúde, educação, lazer, segurança, liberdade, convivência familiar e comunitária, esporte e proteção ao trabalho. Além disso, tem servido como parâmetro para reflexão e efetivação de políticas públicas de proteção à infância e adolescência. Entre elas, destacam-se o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infantojuvenil, que estabelece ações e metas para a proteção integral desses grupos, a Lei “Menino Bernardo”, que reforça o direito à educação sem castigos físicos ou tratamentos cruéis, e a Lei nº 13.431/2017, que cria o sistema de garantia de direitos para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, visando superar situações de revitimização.
Apesar dos avanços ao longo dos anos, ainda enfrentamos altos níveis de violência contra crianças e adolescentes. Quais são os principais desafios histórico-estruturais que dificultam a proteção completa dos direitos das crianças no Brasil?
Um dos grandes desafios é transversalizar debates como temáticas que envolvem gênero e etnia. Inserir, por exemplo, o estudo do ECA no currículo da educação básica é algo importante, mas que pouco avançou, em termos de discussões, nas últimas décadas. Uma forma, talvez, de tentar reverter isso seria com o rompimento de uma lógica adultocêntrica e discutir as políticas públicas com os próprios sujeitos que serão beneficiados por elas. A criança e o adolescente precisam participar da construção dos processos educativos em uma perspectiva democrática.
Com o aumento dos casos de abuso, exploração e violência, principalmente por meio da Internet e redes sociais, como o ECA está sendo atualizado ou adaptado para enfrentar esses novos desafios?
A proteção digital da infância e adolescência é um desafio emergente na contemporaneidade. Um maior número de conectividade à Internet têm levado também a um aumento das mazelas nos meios virtuais, dentre elas, a pornografia infantil, um dos crimes mais denunciados no Brasil e que traz graves danos a partir de exposição das vítimas à traumas físicos e psicológicos, além de fomentar a exposição por redes criminosas.
Importantes ferramentas de prevenção e combate a quadrilhas cibernéticas incluem uma educação digital adequada e a colaboração entre os setores público e privado. A primeira envolve o conjunto de habilidades e competências desenvolvidas durante o uso das tecnologias digitais, que aumentam a consciência sobre os perigos presentes na internet e estimulam os usuários a denunciar casos de violência percebidos. A segunda trata da necessidade de maior integração entre os setores público e privado para uma atuação mais eficiente no combate a tais práticas criminosas.
Como você avalia o papel da educação e da conscientização social na promoção dos direitos estabelecidos pelo ECA?
A educação é primordial para a valorização dos direitos elencados no ECA, pois permite que crianças e adolescentes desenvolvam noções de ética, cidadania, respeito à diversidade, segurança, entre outros, no ambiente virtual. É possível e necessário desenvolver essas temáticas no ambiente escolar, de modo a formar cidadãos digitais éticos que valorizem a solidariedade entre os seres humanos.
O que você prevê para o futuro do ECA?
Espera-se que este Estatuto continue aperfeiçoando constantemente através da atualização de seus preceitos e valores de modo a estabelecer congruência com as expectativas e valores partilhados socialmente. Para tanto, é fundamental que aqueles escolhidos para atuarem como representantes do povo e da própria sociedade realizem ações que traduzam em ferramentas eficientes para dar concretude aos ideais propostos neste Estatuto.