27 de novembro de 2024

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Estudo inédito: o retrato racial no ensino superior

Foto: Freepik

Políticas de Cotas transformaram o acesso ao ensino superior; porém, desafios para a conclusão da graduação seguem em maioria para estudantes negros

O CEDRA (Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais) analisou o Censo da Educação Superior entre 2010 e 2019 e chegou a mais de 80 dados desta etapa de ensino com recorte de cor/raça e gênero. Os números oferecem um diagnóstico aprofundado dos avanços quanto à redução das desigualdades no acesso ao ensino superior e os desafios que persistem.

O objetivo do estudo inédito é obter um retrato racial detalhado na graduação e, assim, direcionar políticas públicas para a redução das disparidades raciais.

Dados 

“Nenhuma outra política do país reduziu mais desigualdades do que as cotas raciais”, afirma o professor Helio Santos, presidente do Conselho do CEDRA.  

A frase de Santos é confirmada ao observar os dados do acesso ao ensino superior: em 2014, dois anos após a implementação da lei de Cotas nas universidades federais (Lei 12.711/2012), as matrículas de estudantes negros nas instituições públicas representavam 26,2% e a de brancos, 31,6% (diferença de 5,4 pontos percentuais a favor dos brancos).  Já em 2019, 42,5% eram de negros e 40,4%, de brancos (diferença de de 2,1 pontos percentuais a favor dos negros). (CARD 183). A inversão do perfil racial aconteceu a partir de 2017. (CARD 230).

Ainda que em 2019 constatou-se uma maioria negra (cerca de dois pontos percentuais) dentre os estudantes de ensino superior, pode-se afirmar que a desigualdade racial ainda persiste ao compararmos estes dados com as parcelas correspondentes a negros e brancos no total da população brasileira. De acordo com a PNAD 2019, as pessoas negras eram 56,5% e as brancas 42,3% (diferença 14,2 pontos percentuais).

O estudo ainda destaca a maior proporção, em 2019, de mulheres negras (43,1%) na graduação pública em comparação a de brancas (39,1%), diferença de 4,0 pontos percentuais. No entanto, as mulheres negras eram 56,9% e as brancas eram 43,1%, em 2019 (diferença de 13,8 pontos percentuais). Mesmo tendo maior proporção de mulheres negras que brancas, continuava havendo desigualdade racial, a favor das brancas.

Já os homens brancos e negros apresentavam a mesma proporção (41,8%). (CARD 185)

No entanto, na população havia maior proporção de homens negros (57,5%) que brancos (41,4%). Assim, mesmo havendo igualdade de percentuais na graduação pública, como havia muito mais homens negros do que brancos na população, continuava havendo desigualdade racial, a favor dos brancos.

Por outro lado, nas instituições privadas, em 2014, os negros eram 20,8% e os brancos 30,9% (diferença 10,1 pontos percentuais). Já em 2019, os negros eram 36,8% e brancos, 43,2% (6,4 pontos percentuais). Mesmo com a aproximação dos percentuais de negros e brancos, a desigualdade persistiu .(CARD 184)

Vale ressaltar que a diferença entre os concluintes negros e brancos diminuiu um pouco entre 2014 e 2019. A diferença era de 12,2 pontos percentuais, em 2014, e foi para 10,6 pontos percentuais, em 2019, sempre a favor dos brancos, tendo como recorte todas as instituições privadas, públicas, presenciais e a distância. (CARD 204). 

E ainda: em 2019, nas graduações públicas, mais estudantes negros (50,3%) do que brancos (33,4%) recebiam apoio social (auxílio para moradia, transporte, alimentação, material didático e bolsas, com ou sem contrapartida de trabalho). Em 2010, mais brancos (34,0%) do que negros (14,8%) recebiam o auxílio e metade dos estudantes (50,1%) não declarou cor/raça. (CARD 200). Inverteu-se o perfil racial dos que recebiam apoio social de 2010 para 2019, de maioria branca para maioria negra, nas graduações públicas.

Além disso: em 2019, os programas ProUni e FIES contemplavam mais estudantes negros  (42,1% e 43%, respectivamente) do que brancos (38,8% e 37,8%) . Já outros tipos de bolsas e financiamentos beneficiavam mais brancos (40,8%) do que negros (38,6%). (CARD 202) Os programas federais beneficiavam mais negros do que brancos nas instituições privadas, já os programas internos dessas instituições faziam o contrário.

As políticas de permanência para alunos cotistas no ensino superior são fundamentais para mitigar desigualdades históricas acumuladas pela população negra, proporcionando condições mais equânimes para que estudantes negros e negras permaneçam e se formem.

“Devido à politica de cotas no Ensino Superior Público, houve grande diminuição da desigualdade entre pessoas negras e brancas, de 2010 a 2019, no acesso, matrículas e formatura, com maior aumento para mulheres do que homens negros. Isso também é visível no aumento do apoio social às pessoas negras, já que há uma correlação entre renda e cor ou raça. Nos cursos integrais continuou a maioria branca. Nas instituições privadas, houve diminuição da desigualdade entre pessoas brancas e negras, mas menor do que nas públicas. O apoio social às pessoas negras foi maior no financiamento federal e às pessoas brancas no financiamento interno às instituições”, avalia Marcelo Tragtenberg, membro do Conselho Deliberativo do CEDRA.

Desigualdades nos cursos

No estudo também foi verificado que, mesmo com a diminuição da diferença entre negros e brancos de 2014 a 2019, em Engenharia Civil, Elétrica e Mecatrônica (instituições públicas e privadas),  os brancos apresentaram percentual maior que os negros em todo o período. (CARD 235).  O mesmo aconteceu no Direito e na Medicina nas instituições públicas. (CARD 189; 190; 192)

Já a disparidade se ampliou no curso de Medicina nas instituições privadas: a diferença  saltou de 33,9%, em 2014, para 45,9% em 2019.(CARD 193)

O CEDRA também chama a atenção para o fato de que 84,1% dos cursos de pedagogia, em 2019, eram oferecidos em instituições privadas, e serem majoritariamente a distância (75%), nas instituições dessa rede de ensino  (CARD 194).  Mesmo com maior proporção de estudantes negros nessa modalidade (41,9% negros x 38,5% brancos)(CARD 199),mais brancos concluiram estes cursos (45,5%  brancos x 36,5% negros), em 2019 (CARD 227).

Outros destaques

  • Apesar da alta não declaração de cor/raça em 2009, podemos observar, em uma década, o aumento dos estudantes autodeclarados negros matriculados em pedagogia em instituições públicas, que  saltaram de 12,7% em 2009, para 45,6% em 2019.(CARD 196)
  • Avanço na declaração de cor/raça dos estudantes. Em 2010, a ausência dessa declaração estava em 68,5% e, em 2019, caiu para 17%. O dado é essencial para entender a realidade étnico-racial da graduação e para políticas públicas. (CARD 171)
  • Tanto em instituições privadas quanto públicas foi necessário uma década (2009 a 2019) para que estudantes negros alcaçassem os patamares de conclusão de brancos, mas as desigualdade seguem (CARD 205). Nas instituições públicas, a diferença entre as proporções de conclusões de estudantes negros e brancos aumentou um pouco de 2014 a 2019. Já nas instituições privadas, ela diminuiu um pouco. 
  • Em instituições privadas e públicas (tanto presencial quanto a distância) houve mais matrículas de brancos em relação a de negros. (CARD 177)
  • Quanto à conclusão da graduação, nas instituições públicas a desigualdade é maior entre homens brancos e negros(10,3 pontos percentuais) do que entre mulheres brancas e negras (5,5 pontos percentuais) (CARD 213). Nas privadas, em 2019, a diferença entre as proporções de concluintes homens brancos e negros é aproximadamente a mesma que a diferença entre concluintes mulheres brancas e negras, cerca de 11 pontos percentuais a mais para os homens e mulheres brancos. (CARD 214)
  • Em 2019, havia muito mais docentes brancos do que negros na educação superior pública (diferença de 27,6 pontos percentuais). E na privada a diferença é maior (43,1 pontos percentuais) (CARD 247 e 248)

Os dados e análises por características de cor e raça estarão disponíveis para o público a na plataforma do CEDRA. O site reúne dados em diversas áreas com o objetivo de aprofundar o diagnóstico das desigualdades raciais brasileiras.
 

A plataforma é voltada para ativistas e organizações do movimento negro, organizações da sociedade civil, jornalistas (no auxílio de pautas), pesquisadores, lideranças políticas e empresariais, gestores públicos, estudantes e o público em geral. O objetivo é contribuir para a elaboração de estudos e políticas relacionados às questões raciais.

Atualmente, os apoiadores do CEDRA são Instituto Çarê, Instituto Ibirapitanga, B3 Social e Bem-Te-Vi Diversidade, além das parcerias com Amazon Web Services (AWS), Bain & Company, Daniel Advogados e Observatório da Branquitude.

Sobre o CEDRA 

O CEDRA – Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais- é uma associação independente e apartidária que agrega pensadores da questão racial, especialistas em ciência de dados, estatísticos, economistas e cientistas sociais reunidos para destacar, das estatísticas oficiais, dados que possibilitem o aprofundamento das análises sobre as desigualdades raciais no Brasil. Os fundadores e membros do conselho deliberativo são Eduardo Pereira Nunes, Helio Santos, Marcelo Tragtenberg, Mario Theodoro e Wania Sant’anna.

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