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Estudo mostrou eficácia de até 35% na desaceleração do declínio cognitivo e funcional dos pacientes, quando comparado ao placebo; Endocrinologista da Atma Soma comenta sobre nova perspectiva para o cuidado com a saúde cerebral
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou nesta semana o medicamento Kisunla (donanemabe) para o tratamento de adultos com doença de Alzheimer em fase inicial, especificamente aqueles com comprometimento cognitivo leve ou demência leve, e que sejam portadores do gene da apolipoproteína E ε4 (ApoE ε4). A medicação, já aprovada pela FDA nos Estados Unidos em julho de 2024, agora pode ser distribuída e utilizada no Brasil, de acordo com os critérios estabelecidos.
A nova droga é um anticorpo monoclonal que age diretamente sobre as placas de beta-amiloide — aglomerados de proteína considerados uma das principais marcas da doença de Alzheimer. Ao se ligar a essas placas, o donanemabe promove sua redução e, com isso, contribui para frear a progressão clínica da doença.
De acordo com a fabricante, os estudos clínicos demonstraram que o medicamento reduziu as placas amiloides em 61% após seis meses de uso, 80% aos 12 meses e 84% aos 18 meses. Além disso, o tratamento apresentou uma eficácia de até 35% na desaceleração do declínio cognitivo e funcional dos pacientes, em comparação com placebo, durante o período de 18 meses.
Para Alessandra Rascovski, endocrinologista e diretora clínica da Atma Soma, esse é um marco importante para a medicina do envelhecimento. “Embora ainda não tenhamos a cura para o Alzheimer, o fato de podermos intervir precocemente e frear a progressão da doença traz uma nova perspectiva para o cuidado com a saúde cerebral”, comenta.
O estudo principal que embasou a aprovação da Anvisa envolveu 1.736 pacientes com diagnóstico de Alzheimer em estágio inicial. Os participantes foram divididos entre os que receberam donanemabe (700 mg a cada quatro semanas nas três primeiras doses, seguidas de 1.400 mg a cada quatro semanas) e os que receberam placebo. Na 76ª semana do estudo, o grupo tratado com a nova droga apresentou progressão clínica significativamente menor da doença, além de melhores pontuações em escalas clínicas de avaliação cognitiva.
A medicação será disponibilizada em frascos de 20 mL com 350 mg de substância ativa, sob forma de solução para infusão intravenosa. A recomendação de uso é de 700 mg nas três primeiras aplicações mensais, seguidas de 1.400 mg mensais, até que se observe a depuração das placas amiloides ou por até 18 meses, quando não for possível fazer esse monitoramento com métodos validados.
Segurança e contraindicações
Apesar dos avanços, o uso do donanemabe requer atenção. Ele é contraindicado para pacientes que fazem uso de anticoagulantes, como a varfarina, e também para aqueles com diagnóstico de angiopatia amiloide cerebral (AAC) detectada por ressonância magnética antes do início do tratamento. A presença dessas condições pode elevar os riscos, tornando o uso do medicamento não recomendado.
Entre os efeitos adversos mais comuns estão reações relacionadas à infusão — como febre e sintomas semelhantes aos da gripe —, dores de cabeça e alterações relacionadas à proteína amiloide. A incidência de efeitos adversos também se mostrou menor entre os pacientes que não eram homozigotos para o gene ApoE ε4.
A Anvisa reforçou que a segurança e a efetividade do donanemabe seguirão sendo monitoradas no Brasil, com a implementação de um Plano de Minimização de Riscos aprovado para acompanhar possíveis eventos adversos ao longo do tempo. A aprovação do Kisunla representa um passo importante no enfrentamento de uma das doenças neurodegenerativas mais desafiadoras da atualidade.
“Essa pode ser uma ferramenta valiosa para preservar a autonomia e a qualidade de vida por mais tempo, contudo, é fundamental que o diagnóstico precoce seja incentivado, para que o tratamento possa ser iniciado nos estágios em que consiga maior chance de resposta, conforme o uso dos pacientes”, afirma Alessandra Rascovski.
Os 12 fatores que aumentam as chances de desenvolvimento do Alzheimer
Hipertensão. Manter a pressão arterial controlada é fundamental e é considerado um dos mais importantes fatores para prevenir a doença, mas não só ela: diversas complicações cardíacas podem ser evitadas, além de casos de AVC. “O ideal é sempre ter uma pressão arterial de até 13 por 9”, explica a especialista. Quem já tem a doença, que também tem causas genéticas, deve usar medicação diária para controlar os índices.
Estilo de vida. Controlar o peso e manter um estilo de vida saudável, com a prática de exercícios físicos, sono adequado, controle do estresse, não fumar e consumir bebida de forma moderada, são fundamentais. Visto que a obesidade, o tabagismo, o alcoolismo e o sedentarismo também são causas importantes nas chances de desenvolver a doença. “A gente vê que são fatores ligados à saúde como um todo e faz sentido: o cérebro não está alheio à saúde do resto do corpo”, comenta a especialista.
Isolamento social. Depressão e isolamento social são outras das possíveis causas para aumento nas chances de desenvolver a doença. “A gente sabe que a pandemia fez com que esses índices aumentassem muito por conta das medidas sanitárias. Mas é importante que as pessoas retomem seus contatos sociais, mesmo que aos poucos, e busquem acompanhamento psicológico e ajuda, caso tenha dificuldade. Somos seres sociais e precisamos estar em contato contínuo com outros para vivermos bem”, afirma a médica.
Contexto socioeconômico e poluição. O nível de escolaridade é considerado o principal fator para a doença no Brasil. O estímulo ao cérebro e o aprendizado até principalmente os 12 anos de idade são ferramentas fundamentais para a saúde do órgão. Outro fator de contexto social é a poluição do ar, também apontada como de risco para o Alzheimer. “Países em desenvolvimento, como o Brasil, tem uma população mais vulnerável a esses fatores. A falta de equidade no acesso aos serviços com certeza atrapalha a saúde da população e é um fator que precisa de atenção dos governos”, ressalta.
Diabetes. Doença multifatorial das mais incidentes em todo o mundo, o diabetes também influencia o cérebro, inclusive nas chances de desenvolvimento do Alzheimer. Segundo a especialista, “aqui entra a fórmula de controle de peso, atividade física, alimentação saudável, sono e gerenciamento do estresse. Para quem já foi diagnosticado, o uso correto e controlado da medicação contribui para um melhor manejo da doença”.
Perda auditiva. Nesse caso, além de sempre ir ao otorrinolaringologista para manter a saúde auditiva em dia, vale lembrar que no Brasil, existem mais de 15 milhões de pessoas com algum grau de deficiência auditiva, isso equivale a pouco mais de 7% da população total do país. Pessoas com alguma perda mesmo que leve, sem uso de aparelhos corretivos ou reabilitação, tem risco >42% de desenvolver demência.
Outros fatores. A publicação da Lancet Commission também incluiu traumatismo craniano como fator que influencia para o desenvolvimento de Alzheimer. “O trauma normalmente acontece por conta de acidentes, por isso a proteção com capacetes e atenção nos esportes com vulnerabilidade a lesões na cabeça, é essencial”, pontua Alessandra Rascovski.
Alzheimer no mundo
Estudos como esse abrem novos horizontes de esperança para frear uma doença que vem acometendo um número cada vez maior de pessoas – e mais cedo. Segundo dados da Alzheimer’s Disease International (ADI), a estimativa é que os casos da doença no mundo atinjam quase 75 milhões de pessoas em 2030 e 131,5 milhões em 2050, cujo aumento é atribuído, entre outros fatores, ao envelhecimento da população.
Já no Brasil, a projeção é que o número de pessoas com demência chegue a 2,78 milhões no final desta década e a 5,5 milhões em 2050, conforme dados do Relatório Nacional sobre Demência, do Ministério da Saúde. Ainda de acordo com o levantamento, cerca de 8,5% da população brasileira com 60 anos ou mais sofre da doença.
Para a diretora clínica, ainda há muita desinformação, preconceito e negligência em relação à doença de Alzheimer. De acordo com a ADI, 80% das pessoas ainda acreditam, equivocadamente, que a demência é só uma consequência natural do envelhecimento, ignorando o fato de que se trata de uma condição médica grave e associada a um estilo de vida ruim durante vários anos que precedem o diagnóstico.
No Relatório Mundial de Alzheimer 2024, da ADI, a associação também destaca alguns avanços, como o fato de que 58% das pessoas que participaram da pesquisa reconheceram que hábitos como alimentação equilibrada e a prática regular de exercícios físicos ajudam a reduzir o risco de desenvolver demência. “Controlar fatores de risco como hipertensão e diabetes pode prevenir mais de 40% dos casos”, alerta.
Novos fatores
Do ano passado para cá, a Lancet Commission, ligada à Alzheimer’s Society, acrescentou mais dois fatores externos que podem contribuir para o desenvolvimento da enfermidade. Somam-se aos 12 fatores iniciais – hipertensão, obesidade, sedentarismo, depressão, diabetes, perda auditiva, trauma craniano, alcoolismo, tabagismo, poluição e isolamento social – aspectos como o colesterol e problemas de visão.
Alessandra explica que as doenças cardiovasculares também têm influência no desenvolvimento do Alzheimer. “O colesterol LDL (ou Lipoproteína de baixa densidade), conhecido como ‘colesterol ruim’, se estiver em excesso pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares. O LDL colesterol em adultos mais jovens do que 65 anos, seguidos por 1 ano e sem tratamento aumentou 8% todas as causas de demência”.
Em relação à visão, a médica explica que a relação com a doença tem a ver com a informação que chega ao cérebro. “As pessoas com perda de visão têm mais propensão para desenvolver a doença”. Vale lembrar que a prevalência de perda visual evitável e cegueira, incluindo problemas visuais comuns para os quais óculos são prescritos, em adultos acima de 50 anos, equivalem a 12,6%.
“O que vamos oferecer é uma oportunidade de conhecer e de se autoavaliar com o auxílio de voluntários e especialistas e, com isso, ajudar o público a tomar ações que possam prevenir ou postergar declínios cognitivos”, conclui Alessandra.
Sobre a Atma Soma
Liderada pela endocrinologista Alessandra Rascovski, a Atma Soma tem foco na prática da medicina de soma, unindo várias especialidades em prol dos pacientes, respeitando a sua individualidade e oferecendo a ele uma vida longa e autônoma.
A clínica conta com um time de médicos e profissionais assistenciais de diversas áreas como endocrinologia, urologia, ginecologia, nutrição, gastroenterologia, geriatria, dermatologia, estética, medicina oriental e ayurveda, com olhar dedicado à prática do cuidado focado no eixo neurocognitivo, metabólico e hormonal.