28 de abril de 2025

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Quando os fios vão embora: especialistas falam sobre alopecia, um drama silencioso vivido por milhões de brasileiros

Foto: Freepik

Condição que atinge homens e mulheres foi discutida durante congresso dermatológico, em Salvador. Saiba o que especialistas dizem sobre as principais novidades em diagnósticos e tratamentos!

Foi com franqueza que a apresentadora Xuxa Meneghel, aos 61 anos, revelou recentemente conviver com alopecia androgenética, uma forma de calvície hereditária que afeta a autoestima de homens e mulheres — mas especialmente mulheres a partir dos 40 anos. Ela contou que os fios foram ficando cada vez mais ralos, até começarem a cair, deixando aparente o couro cabeludo. O próximo passo foi raspar a cabeça com a ajuda da filha e recorrer a um transplante capilar.

Cercado de tabus, o problema atinge cerca de 20 milhões de brasileiras e, muitas vezes mascarado por laces e acessórios, raramente recebe o holofote merecido. “A alopecia é mais do que uma questão estética. Ela mexe com a identidade, com a segurança – principalmente – da mulher, com o modo como ela se apresenta ao mundo”, afirma o dermatologista Paulo Barbosa, presidente do 35º Congresso Brasileiro de Cirurgia Dermatológica, promovido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD), sob o tema central “Pele Étnica e Cirurgia Dermatológica”.

A médica norte-americana Susan Taylor, da Universidade da Pensilvânia, é referência global em tratamentos de alopecia e cuidados com a pele e os cabelos da população negra e atua há décadas na busca por diagnósticos mais precisos e terapias personalizadas. Durante sua conferência, neste sábado (26), a fundadora da Skin of Color Society falou sobre líquen plano pilar (LPP) e alopecia fibrosante frontal (AFF), exemplos de alopecia cicatricial – tipo de calvície permanente devido a doenças inflamatórias, autoimunes, lesões na pele, queimaduras ou certos tratamentos médicos –, e a chamada alopecia de tração, mais comum em pessoas negras, por causa da pressão de penteados e tranças afro.

Segundo ela, alopecia pode se manifestar de diferentes formas e conhecer os tipos, identificar os sintomas precocemente e buscar tratamento adequado são passos essenciais para controlar a condição e, em muitos casos, reverter a queda de cabelo. Queda de cabelo em tufos ou falhas localizadas, afinamento progressivo dos fios, mudanças no couro cabeludo, como inflamações ou cicatrizes, e sensibilidade ou dor no couro cabeludo são alguns dos sintomas.

“Nem toda queda de cabelo é igual. A alopecia pode ser devastadora emocionalmente, e muitas mulheres demoram a procurar ajuda por vergonha ou falta de acesso a um diagnóstico correto. Mas temos opções — desde medicamentos a tratamentos avançados, que devolvem resultados visíveis e, acima de tudo, esperança”, explica Taylor, que é também presidente da maior sociedade dermatológica do mundo, a Academia Americana de Dermatologia (AAD), segundo a qual cerca de 40% das mulheres apresentarão algum grau de perda de cabelo até os 40 anos.

Principais tipos – Além da alopecia androgenética, conhecida popularmente como calvície hereditária e que está relacionada a fatores genéticos e hormonais, as mais comuns são a alopecia areata (tipo da atriz Jada Smith): de origem autoimune, provoca a queda repentina de cabelo em áreas específicas, formando falhas arredondadas no couro cabeludo ou em outras partes do corpo; a alopecia cicatricial: causada por inflamações severas ou doenças que danificam permanentemente os folículos capilares, levando à perda irreversível dos fios; e a alopecia por tração: associada ao uso prolongado de penteados que puxam os fios com força, como tranças e rabos de cavalo muito apertados.

Durante o congresso, Taylor apresentou abordagens modernas, que vêm revolucionando o cuidado com os fios e com o couro cabeludo. A programação incluiu ainda técnicas de transplante capilar, terapias com bioestimuladores, manejo de alopecia cicatricial e avanços no uso de inteligência artificial para detecção precoce de padrões de calvície.

Tratamentos – O tratamento para alopecia varia conforme o tipo e o grau da condição. Entre as opções mais modernas e eficazes estão: medicamentos tópicos e orais, que ajudam a estimular o crescimento capilar; injeções de corticoide para casos de alopecia areata; terapias com laser capilar para estimular os folículos; procedimentos como o microagulhamento associado a fatores de crescimento; transplante capilar, indicado para casos em que a perda dos fios é permanente; e tratamentos inovadores com o uso de terapia regenerativa, como o PRP (plasma rico em plaquetas).

De acordo com a cirurgiã capilar Leila Bloch, uma das grandes novidades no transplante capilar é a técnica FUE (Follicular Unit Extraction), um método que extrai os folículos capilares individualmente da área doadora e os implanta nas áreas com menos cabelo, sem a necessidade de raspar. “Hoje se consegue uma densidade maior, com técnicas minimamente invasivas e com menos danos”, observa.

Ela faz aponta a necessidade de evitar tracionar os fios. “A tensão ao fazer tranças e outros penteados afro afeta sobretudo a área fronto-temporal. É preciso ficar atenta. Se doeu, é porque está fazendo algum trauma”, alerta a especialista.

Outra indicação é que quem tem alopecia pode fazer o transplante de sobrancelhas, procedimento cada vez mais procurado por quem sofre com falhas, rarefação ou ausência total de pelos na região — seja por fatores genéticos, excesso de remoções (como a depilação excessiva ao longo dos anos), alopecia areata, cicatrizes ou até queimaduras. Os fios são retirados de áreas doadoras, geralmente da parte posterior do couro cabeludo, onde os fios têm características semelhantes às das sobrancelhas. “Procuramos os fios mais fininhos, próximos à orelha, por exemplo”, conta.

O médico Leonardo Bianchini, referência em estética facial, alopecia e tricologia avançada, trouxe um dado pouco difundido, que é a relação da Covid-19 com a alopecia. “O vírus, o SARS-CoV-2 provocou muitos problemas de queda de cabelo em vários pacientes, no mundo inteiro. Ele infiltra no folículo piloso [estrutura responsável por produzir e sustentar o crescimento dos pelos e cabelos], causando inflamação. Quando ela ocorre na região do bulbo, pode resultar na alopecia areata. Quando atinge a região do bulge, que é onde tem as células tronco, essenciais para o crescimento e renovação do cabelo, o vírus pode provocar as alopecias cicatriciais”, revela.

Dermatologia e diversidade

Mais de 4 mil participantes, entre médicos e representantes da indústria, têm circulado pelo evento iniciado na última quinta-feira (24), no Centro de Convenções Salvador (CCS), com uma programação rica que traz os mais recentes avanços e práticas na área.

As apresentações vêm abordando temas de ponta da dermatologia — entre eles, cirurgias de pele, oncologia cutânea, tecnologias a laser e o cuidado com a pele étnica, tema central desta edição, em diálogo com a realidade brasileira, especialmente na Bahia. O objetivo é refletir sobre a necessidade de uma medicina mais inclusiva, que considere as particularidades de uma população tão diversa quanto a brasileira.

“Para mim, o tópico de pele étnica é muito importante e eu aplaudo o Dr. Paulo Barbosa por selecioná-lo. Isso se correlaciona de forma muito interessante com o local onde esse congresso está sendo realizado, que é aqui em Salvador”, elogia Susan Taylor. “Eu sugiro que todos os meus colegas comecem a pensar mais cuidadosamente e mais amplamente a respeito do diagnóstico, do tratamento, da pesquisa sobre a pele de cor”, completa a médica.

Mais do que tratar a pele, a dermatologia contemporânea quer compreender o sujeito por trás dela. “A ciência avança, mas é essencial entender que cabelo também é pertencimento, é força cultural, é autoestima”, diz Paulo Barbosa. Para quem enfrenta a alopecia, a mensagem do especialista é clara: há caminhos, há ciência — e, sim, há soluções.

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