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O sucesso do nosso Programa Nacional de Imunizações em controlar e erradicar doenças valeu reconhecimento internacional, mas o Brasil hoje também enfrenta uma onda de hesitação vacinal, tendência global que ameaça desfazer as conquistas dos últimos 50 anos no combate a doenças evitáveis
O crescimento dos casos de sarampo nas Américas já preocupa as autoridades de saúde. De janeiro até maio, seis países da região, entre eles o Brasil, registraram 2.318 casos, dos quais três resultaram em mortes. Apenas nos Estados Unidos foram confirmados mais de mil casos, o que faz de 2025 o segundo ano mais ativo para o sarampo naquele país desde 2000, quando a doença foi considerada oficialmente eliminada por lá.
Preocupada com esse quadro, ainda em fevereiro, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) emitiu um alerta epidemiológico advertindo seus integrantes quanto ao avanço da doença. No texto, a OPAS destaca como uma das causas desse fenômeno outro problema grave: a queda na vacinação contra sarampo, rubéola e caxumba na maioria dos países e territórios da região.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), além do sarampo, outras patologias para as quais já existem vacinas disponíveis há muito tempo, como meningite, difteria e febre amarela, têm apresentado crescimento no número de casos em diversos países. O presidente da OMS, Tedros Adhanom, disse que “os avanços obtidos pelo uso de vacinas ao longo de cinco décadas estão em risco”.
E esses avanços foram superlativos: segundo os dados da organização, os esforços globais de imunização salvaram 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos, o equivalente a seis vidas a cada minuto de cada ano. No Brasil, a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), na década de 1970, foi um dos fatores responsáveis por diminuir a taxa de mortalidade infantil, além de aumentar em 30 anos a expectativa de vida da população.
Entre 1940 e 1950, o índice de mortalidade de crianças de até um ano chegava a 171 a cada mil nascidos. Dez anos após o início do PNI, esse número havia caído para 66 óbitos a cada mil nascidos. Em 2019, a taxa reduziu ainda mais, passando para 12 óbitos a cada mil nascimentos. Segundo o IBGE, a queda brusca nos índices de mortalidade se deu graças à incorporação de políticas de saúde pública, como as campanhas de vacinação em massa que passaram a ocorrer com a institucionalização do PNI, e à chegada da penicilina, primeiro antibiótico descoberto, ao Brasil em 1940.
Graças às campanhas de vacinação promovidas pelo PNI, doenças como a poliomielite, que vitimou 25.183 crianças entre 1968 e 1980, e a varíola, que apenas em 1908 levou à morte 6.500 pessoas na cidade do Rio de Janeiro, foram erradicadas. O último caso de poliomielite foi registrado em 1989, enquanto o último caso de varíola foi notificado em 1971. Já outras doenças transmissíveis, como sarampo e rubéola, passaram a ser controladas.
Essas conquistas levaram ao reconhecimento internacional do PNI como programa de referência e caso de sucesso de políticas de saúde pública. O segredo do sucesso foi o foco na vacinação infantil: “A vacinação de crianças, reduzindo não só os casos de doença, mas também a circulação de agentes infecciosos entre a população, impactou positivamente na saúde de adultos e idosos”, afirmou Isabella Ballalai, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, em editorial para a Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, publicado em dezembro de 2017.
Isso se deve ao fato de que o público infantil tende a ser um dos principais transmissores de doenças, tanto por ser mais suscetível ao contágio, uma vez que é exposto a menos patógenos do que os adultos, quanto por ter interações sociais intensas, especialmente no âmbito escolar, o que facilita a rápida disseminação de doenças.
Hesitação vacinal
Denomina-se hesitação vacinal à opção de um indivíduo de não se imunizar, ou de não imunizar alguém sob sua tutela, ainda que haja recomendação para a vacinação por parte das autoridades de saúde e disponibilidade de imunizantes – às vezes, oferecidos até gratuitamente. O crescimento desse comportamento em nosso país, em sintonia com o que tem sido observado em outras nações, levou o governo brasileiro a travar uma dura batalha para alcançar, novamente, um bom patamar de imunização da população.
Atualmente, o Calendário Nacional de Vacinação do Brasil contempla crianças, adolescentes, adultos e idosos. No total, são disponibilizadas gratuitamente 19 vacinas na rotina de imunização via Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, os avanços conquistados em décadas passadas vêm sendo ameaçados por quedas consecutivas na cobertura vacinal.
Dados do Observatório da Atenção Primária à Saúde apontaram que, em 2021, o Brasil atingiu a menor cobertura vacinal em 20 anos. Segundo as informações levantadas, entre 2001 e 2015, a média nacional de cobertura vacinal esteve sempre acima de 70%. A queda teve início em 2016, com cerca de 60% de cobertura, e chegou ao seu ponto mais baixo em 2021, durante a pandemia, batendo em apenas 52%.
A pandemia foi marcada pela ausência de uma política nacional de enfrentamento da hesitação vacinal, atrasos na compra de imunizantes e um posicionamento do governo federal favorável a tratamentos ineficazes, enquanto buscava minimizar a gravidade da doença. Essa combinação de fatores levou o Brasil a ser o segundo país a ultrapassar a marca de 600 mil mortos por Covid-19, em 2021, mesmo ano em que alcançou a marca de 14,6 milhões de casos.
Após o início das campanhas de vacinação, a queda no número de ocorrências foi evidente: de mais de 14 milhões de casos em 2022, passamos para menos de 2 milhões em 2023. Já neste ano o número de registros é de cerca de 203 mil. Em relação aos óbitos, o país reduziu de 424 mil mortes registradas em 2021 para 75 mil mortes em 2022 e menos de 2 mil mortes em 2025.
Leia a reportagem completa no Jornal da Unesp, com infográficos que ilustram tanto o efeito positivo das imunizações ao longo da história como o impacto negativo da hesitação vacinal.