Os avanços da medicina reprodutiva nas últimas duas décadas têm ampliado as possibilidades de ter filhos biológicos e cumprido um papel fundamental na formação das novas constituições familiares.
O Nidde Digital ouviu com exclusividade a médica Gérsia Viana, das clínicas Cenafert e Insemina, em Salvador, para esclarecer questões importantes sobre a reprodução assistida do Século XXI.
Com formação em medicina reprodutiva pelo Instituto Clinico Humanitas (Milão, Itália) e doutora em fisiopatologia da reprodução humana pela Universidade de Pisa (Itália), a médica atua na área há mais de 20 anos, com foco nos tratamentos reprodutivos de baixa e de alta complexidade, aconselhamento reprodutivo e congelamento de óvulos para preservação da fertilidade.
ND – Hoje, muitas mulheres têm seu primeiro filho após os 35 anos, idade em que sua fertilidade já começou a declinar. Até que ponto a reprodução assistida pode ajudar, de forma segura, essas mulheres que adiam a gravidez para uma idade mais avançada?
Existe uma tendência no mundo moderno em adiar o projeto reprodutivo, o que aumenta as chances de infertilidade, visto que, com o avançar da idade, ocorre uma redução na quantidade e qualidade dos óvulos. O papel da medicina reprodutiva está em orientar essas pacientes em relação aos riscos ligados à idade, investigar distúrbios que possam comprometer a fertilidade e indicar tratamentos que possam aumentar as chances de gravidez. Considerando os riscos aumentados de anomalias genética ligados à idade materna, os tratamentos de reprodução assistida possibilitam também o estudo genético dos embriões, antes da transferência intrauterina.
ND – O que se deve levar em conta sob o ponto de vista clínico quando uma mulher decide se submeter a um tratamento para engravidar em idade mais avançada?
Sabemos que qualidade de óvulos está ligada à idade da mulher, mas, não menos importante, é a avaliação da reserva ovariana; essa estimativa da quantidade de folículos disponíveis é capaz de prever como será a resposta ovariana ao estímulo hormonal. Mulheres com mais de 40 anos e baixa reserva ovariana, precisam estar cientes das chances reduzidas de sucesso em tratamentos de Fertilização in vitro e, mulheres a partir de 45 anos, são aconselhadas a realizar tratamento utilizando óvulos de doadoras.
Outro aspecto a ser considerado é a condição de saúde da mulher, que deve ser muito bem avaliada antes de buscar uma gestação, para reduzir os riscos de complicações obstétricas.
ND – Quando uma mulher deve buscar a técnica de congelamento de óvulos?
Mulheres que desejam adiar a gravidez por motivos profissionais ou pessoais devem receber um aconselhamento reprodutivo para decidirem em relação ao momento ideal para congelar óvulos.
Em situações de doenças, como pacientes oncológicas, endometriose severa ou risco de falência ovariana precoce, a estratégia de congelar óvulos terá indicação médica, e deverá ser programada em tempo breve.
ND – Um avanço importante da reprodução assistida também é o congelamento de embriões. Como ele é realizado? E em quais casos o congelamento de embriões é a alternativa mais recomendada?
O congelamento de embriões é uma técnica praticada há mais de 2 décadas e está indicado quando o número de embriões excede aquele permitido para transferência intrauterina. O procedimento também se faz necessário quando a resposta dos ovários, durante o processo de estimulação hormonal, é excessiva e existe risco de hiperestimulação ovariana. Outra situação que exige congelamento de embriões, é quando realiza-se estudo genético embrionário, visto que o resultado do exame só é disponibilizado após algumas semanas.
ND – A família tradicional formada pelo casal heterossexual que tinha o pai como principal provedor, deixou de ser o único modelo possível e também não é mais o modelo predominante na sociedade brasileira. A medicina reprodutiva tem um papel fundamental para as novas constituições familiares?
Sim, sem dúvida! Os modelos familiares têm passado por mudanças importantes e novas significações. A reprodução assistida possibilita que pessoas não pertencentes ao modelo familiar tradicional possam realizar o sonho de ter filhos. Isso já é uma realidade para mulheres sem parceiro sexual e casais homoafetivos femininos ou masculinos.
ND – Qualquer pessoa, independente de gênero, orientação sexual ou estado civil, tem o direito de procriar?
Sim! De acordo com as normas éticas do CFM, todos indivíduos capazes de entender e maiores de idade, podem recorrer às técnicas de Reprodução Assistida, respeitando os limites de idade impostos na resolução.
ND – Seja para a mulher que quer ser mãe-solo seja para o casal lesboafetivo, a concepção vai depender sempre também do sêmen. A busca de sêmen em bancos de doadores estrangeiros aumentou bastante por parte das brasileiras. O que explica essa preferência quando temos bancos de sêmen no próprio país?
A legislação de alguns países permite, além de dados essenciais ligados às características físicas e grupo sanguíneo do doador, acesso a informações mais detalhadas, como fotos da infância, hábitos de vida e profissão, o que leva algumas mulheres a optarem por essa alternativa.
Vale ressaltar, que o cuidado em relação à saúde do doador e qualidade da amostra seminal não difere quando comparamos os bancos brasileiros em relação àqueles estrangeiros.
ND – Hoje já é possível que uma mulher conceba um filho usando o útero de outra mulher com a técnica chamada de “útero de substituição”, conhecida popularmente como “barriga de aluguel” ou “barriga solidária”. Quando essa técnica de gestação compartilhada pode ser indicada e como é feito o tratamento?
Quando a gravidez constitui um risco inaceitável à saúde da mulher, é possível programar a Fertilização in vitro com transferência dos embriões formados no útero de uma parente de até 4º grau de um dos parceiros. Essa técnica também está indicada naquelas situações em que houve perda da capacidade do útero para manter uma gestação, como pode ocorrer após cirurgias, radioterapia ou embolizações, assim como pacientes histerectomizadas.
ND – Mesmo uma mulher que não produz mais óvulos pode ser mãe? Ou seja, as possibilidades de maternidade são muito amplas?
A ausência de óvulos não impede a realização de tratamento reprodutivo, porém, nesses casos, está indicada Fertilização in vitro utilizando óvulos de doadoras. Portanto, as possibilidades de maternidade se estendem a mulheres que já perderam sua função ovariana, por tratamentos oncológicos, por falência ovariana precoce ou por menopausa fisiológica, respeitando o limite de idade de 50 anos.
ND – Casais homoafetivos masculinos também já podem ter filhos biológicos?
Sim, embora nesses casos a organização se torna um pouco mais complexa, pela necessidade, além da doadora de óvulos, da mulher disponível para gestar, que deverá ser uma parente de um dos parceiros de até 4º grau.
ND – Quais os principais avanços nos tratamentos de reprodução assistida neste século 21, ou seja, nas últimas duas décadas?
O aperfeiçoamento nas técnicas de criopreservação de óvulos tornou o procedimento muito mais simples e com melhores taxas de sucesso.
Outro avanço importante se refere ao estudo genético de embriões, que permite a identificação de embriões saudáveis antes de programar a transferência intrauterina.
ND – Quais hábitos de vida contribuem para prevenção da infertilidade e aumento das chances de uma gravidez espontânea?
Manter o peso adequado, evitar tabagismo e consumo excessivo de álcool, realizar avaliação ginecológica regularmente, são pontos importantes para a saúde reprodutiva da mulher. A exposição a doenças sexualmente transmissíveis também deve ser prevenida, adotando um comportamento sexual responsável, pois alguns patógenos podem provocar danos irreversíveis ao aparelho reprodutor.
ND – Quais as principais recomendações para aumentar a possibilidade de uma gravidez natural?
As relações sexuais devem ser praticadas pelo menos 3 vezes por semana, e intensificadas nos 2 dias que antecedem a ovulação. O uso de lubrificantes vaginais, dificulta a motilidade dos espermatozoides, portanto deve ser evitado.
ND – O Brasil lidera o ranking da reprodução assistida na América Latina. De acordo com a Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (REDELARA), 60% dos tratamentos de reprodução assistida na América Latina são realizados no Brasil. Qual o panorama da Reprodução Assistida hoje no país? Qual a realidade nos centros de Reprodução Assistida? Eles oferecem as técnicas mais modernas e seguras? Podemos dizer que o país é uma referência na área?
O Brasil tem acompanhado todo o progresso nas técnicas de reprodução assistida com excelência, o que o coloca em posição de destaque dentre os Centros de reprodução da América Latina.
O aperfeiçoamento das técnicas de reprodução assistida, aliado à boa qualidade dos profissionais, tem proporcionado um aumento significativo nas taxas de sucesso e na segurança dos tratamentos.