Crédito da foto: Marcos Santos / USP Imagens
Estudo de revisão de 202 artigos, publicado na revista científica The Innovation, com participação brasileira, evidencia a contribuição da infraestrutura urbana verde-azul (GBGI) para o resfriamento urbano e outros aspectos de benefícios ao meio ambiente e população
As cidades, diante do aquecimento global, são colocadas em contexto de amplificação das ilhas de calor urbano devido às ondas de calor, e ficam expostas aos frequentes eventos de extremas temperaturas, muito acima das médias. Porém, o cenário pode ser mitigado por meio de infraestrutura urbana verde-azul-cinza (GBGI), como parques, áreas úmidas e ecologização, com todo o seu potencial de reduzir efetivamente a temperatura atmosférica, inclusive no verão. Com a proposta de evidenciar os benefícios do GBGI, incluindo o resfriamento urbano, pesquisadores da Austrália, Brasil, China, Estados Unidos e Reino Unido selecionaram 202 artigos para revisão e os resultados do estudo Urban heat mitigation by green and blue infrastructure: Drivers, effectiveness, and future needs, foram publicados na revista científica The Innovation.
O trabalho, que conta com contribuição do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) avaliou 51 tipos de GBGIs categorizados em 10 divisões e comparou os dados de resfriamento do ar por tipos de estrutura verde-azul. O impacto mais eficiente foi observado em jardins botânicos, com a máxima de resfriamento de 5 graus e mínima de 3,5 graus, seguido por áreas úmidas (4,9 ± 3,2 C), áreas verdes paredes (4,1 ± 4,2 C), árvores nas ruas (3,8 ± 3,1 C) e varandas com vegetação (3,8 ± 2,7ºC).
A infraestrutura verde-azul consiste em ter áreas verdes (parques, canteiros, jardins botânicos etc.) com água (lagos, rios etc.). Além da diminuição da temperatura, ela propicia balanço hídrico, previne alagamentos e preserva a natureza. “Em resumo, colabora no balanço térmico, protegendo contra os excessos de temperatura e chuva”, ressalta a física Maria de Fátima Andrade, professora titular do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP e uma das autoras do estudo.
Esta análise oferece insights sobre necessidades regionais específicas, práticas eficazes e potencial transferibilidade de soluções entre diferentes locais. A maioria dos estudos do GBGI originou-se da Ásia (51,1%), principalmente da China (29,95%), seguida pela Europa (30,4%), Austrália (7,5%), América do Norte (7,0%), América do Sul (1,8%), África (1,8%) e Nova Zelândia (0,4%).
Sobreaquecimento urbano e queda de árvores
As áreas urbanas são em geral impactadas pelo chamado Efeito Ilha de Calor decorrente da mudança da superfície com o aumento de construções com concreto e pavimentos que ampliam o armazenamento de calor. A esse efeito, explica Andrade, soma-se a tendência de haver mais eventos extremos de temperatura, denominados ondas de calor. A mudança de padrão de temperatura é um fator de estresse para a vegetação, o que pode resultar no comprometimento de sua resistência a insetos e a deficiência hídrica. “Preservar as áreas verdes resulta também na absorção de poluentes, prevenção de alagamentos, preservação de animais e plantas e preservação de áreas naturais”, reforça Andrade.
Prevenção de insolação
Adotar um planejamento urbano que preserve a presença de áreas verdes reflete também em bem-estar para a população. Maria de Fátima Andrade comenta que há uma grande preocupação com o efeito de temperaturas bem elevadas na saúde, que podem causar um “heat stroke” ou, em português, insolação (golpe de calor), que é uma condição na qual a temperatura corporal fica superior a 40ºC, levando a um estado de confusão e outros possíveis sintomas, entre eles apresentar pele vermelha, seca ou úmida, dores de cabeça e tonturas. Condições de insolação têm sido observadas atualmente nos verões europeus e asiáticos, mas os efeitos negativos também são sentidos na capital paulista. “A presença de áreas verdes resulta justamente na diminuição desse efeito. É possível observar em São Paulo, por exemplo, as diferenças entre as temperaturas das áreas com mais parques e aquelas com mais asfalto e concreto”, aponta a pesquisadora do IAG/USP.
Outro ponto destacado no estudo é que as paredes verdes, parques e árvores nas ruas foram mais frequentemente analisados nos estudos que foram selecionados nesse trabalho de revisão, mas a mesma atenção na literatura científica não foi dada aos jardins zoológicos, campos de golfe, estuários, jardins privados e loteamentos. “Mostramos com isso que há ainda muitos pontos sem uma análise criteriosa. Não se pode tirar conclusões com base em poucos estudos, assim para alguns tipos de superfície há poucos dados. Uma análise baseada em poucos estudos poderia ser contestada, incluindo a falta de estudos na América do Sul e outros países do sul global”, pondera a cientista brasileira.
Artigo científico
Kumar P, Debele SE, Khalili S, Halios CH, Sahani J, Aghamohammadi N, Andrade MF, Athanassiadou M, Bhui K, Calvillo N, Cao SJ, Coulon F, Edmondson JL, Fletcher D, Dias de Freitas E, Guo H, Hort MC, Katti M, Kjeldsen TR, Lehmann S, Locosselli GM, Malham SK, Morawska L, Parajuli R, Rogers CDF, Yao R, Wang F, Wenk J, Jones L. Urban heat mitigation by green and blue infrastructure: Drivers, effectiveness, and future needs. Innovation (Camb). 2024 Feb 7;5(2):100588.
Sobre o IAG/USP
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