24 de novembro de 2024

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Artigo: Nova epidemia de branqueamento ameaça sobrevivência de recifes de corais

Recife de coral em Porto de Galinhas, no litoral de Pernambuco Foto: Filipe Cadena / Fundação Grupo Boticário

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, os recifes de corais abrigam 25% da fauna marinha, incluindo cerca de 65% dos peixes, muitos deles de espécies comerciais

As mudanças climáticas estão transformando a Terra. Estamos vivendo o “susto” de ver as previsões da ciência acontecerem em todo o mundo, e na nossa rua. São tempestades, enchentes, deslizamentos de encostas, ondas de calor e queimadas que prejudicam vidas e arrasam cidades. No entanto, para além dos desastres ambientais evidentes, o aquecimento global também desencadeia outras consequências igualmente devastadoras, algumas delas mais conhecidas por cientistas e pesquisadores.

Os recifes de corais, por exemplo, são “vítimas discretas ou silenciosas” desse fenômeno. Uma das principais ameaças é o branqueamento dos corais, processo causado pelo aquecimento e acidificação do oceano. O tecido desses organismos fica translúcido, revelando seu esqueleto e causando a diminuição da capacidade reprodutiva, redução das taxas de crescimento e de calcificação, o que pode provocar a morte dos corais.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, os recifes de corais abrigam 25% da fauna marinha, incluindo cerca de 65% dos peixes, muitos deles de espécies comerciais. Ou seja, esses ecossistemas funcionam como condomínios subaquáticos, onde moram diversas espécies de peixes, tartarugas e invertebrados, como caranguejos e moluscos, além de ser fonte de alimento e abrigo para outras espécies que estão de passagem. Um levantamento realizado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) alerta que, se algo não for feito de maneira urgente, 90% dos recifes de corais podem desaparecer até 2050.

Entretanto, além de vítimas, os recifes de corais também são aliados na luta contra as mudanças climáticas. Sabemos que as cidades costeiras são mais vulneráveis aos impactos do aquecimento do planeta, especialmente por causa do aumento do nível do mar, mas também pelas consequências de tempestades, inundações e erosões. Os recifes funcionam como uma barreira natural de proteção, reduzindo os impactos das ondas nas praias em caso de tempestades. Eles também absorvem dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e transformam-no em oxigênio e, ainda, auxiliam na melhoria da qualidade da água.

Do ponto de vista econômico, a conservação dos corais representa também emprego e sustento de diversas atividades produtivas, além de evitar gastos bilionários. O recente estudo “Oceano sem Mistérios – Desvendando os recifes de corais”, realizado pela Fundação Grupo Boticário, identificou que os corais geram receita de até R$ 167 bilhões ao Brasil em serviços de proteção costeira e turismo. Ao evitar os efeitos de ressacas e outros eventos climáticos extremos, os recifes protegem a infraestrutura pública e privada, como ruas, calçadas, moradias, comércios e outras construções, evitando também gastos com obras para erguer barreiras artificiais cada vez mais necessárias em regiões costeiras.

A pesquisa revelou que segmentos de lazer e recreação chegam a arrecadar R$ 7 bilhões por ano no Brasil. Estima-se que, para cada quilômetro quadrado de recife de corais, são gerados R$ 62,7 milhões em atividades turísticas. A existência desses ecossistemas saudáveis proporciona atrativos naturais como banho em águas calmas, mergulhos, práticas de caiaque e stand-up, além de formações de ondas para o surf. Os recifes de corais contribuem com quase 10% do valor do turismo em regiões costeiras no mundo, considerando as atividades geradas com deslocamentos de turistas, hospedagem, alimentação, artesanato, entre outras.

Infelizmente, a situação desses ecossistemas está se tornando mais grave a cada dia. Em fevereiro deste ano, a temperatura da superfície do oceano foi a mais alta já registrada na história, com média de 21,06ºC, de acordo com o observatório climático europeu Copernicus. A temperatura dos mares em março também já está acima da média histórica e, com isso, o mundo está enfrentando, neste ano, a quarta epidemia de branqueamento de corais, que deve atingir todo o Hemisfério Sul. No Brasil, com a temperatura da água atingindo os 30°C em algumas regiões do Nordeste, pesquisadores de diversas universidades e ONGs confirmam que o branqueamento de corais já está em curso, colocando em sério risco a saúde desses organismos e o equilíbrio da vida no oceano e em terra.

Diante deste cenário tão desafiador, a redução na emissão de gases de efeito estufa, bem como a descarbonização, são urgentes para conter o branqueamento dos corais. No entanto, será necessário atuar também em outras frentes simultâneas e complementares. Soluções inovadoras baseadas na ciência trazem esperança e podem ajudar a natureza a resistir às pressões. Exemplo dessa contribuição é a Biofábrica de Corais, projeto de uma startup pernambucana que desenvolve atividades de turismo regenerativo, utilizando ferramentas biotecnológicas para a restauração dos recifes, através do cultivo de corais. Outra iniciativa promissora, desenvolvida por pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), é a criação de corais de proveta. A técnica de fecundação in vitro, que acaba de ser desenvolvida com sucesso pela primeira vez no Brasil, pode significar uma chance para repovoar áreas de recifes devastadas.

Precisamos tornar os recifes de corais cada vez mais visíveis e “dar voz” a esse ecossistema tão rico e essencial, vítimas silenciosas das mudanças climáticas. Por ser um desafio de impacto global, iniciativas como o Coral Reef Breakthrough, plano internacional com metas e compromissos para proteger os corais em todo o mundo, lançado na COP28, em Dubai, são boas notícias recentes. Em nosso país, o desafio é incorporar essas metas às políticas públicas de gestão costeira, de forma integrada e abrangente, considerando também a necessidade de proteção e restauração de outros ecossistemas naturais associados, como manguezais e restingas.

Esses bons exemplos são iniciativas que significam uma esperança real para aumentar a resiliência dos recifes de corais e oferecermos mais oportunidades para que esse ecossistema possa lutar pela sua sobrevivência. A morte dos recifes de corais pode não impactar diretamente na sua rua, que pode estar a milhares de quilômetros do mar, mas certamente impacta a vida de todos, seja na economia do país, no pescado que não chega mais ao prato ou mesmo na produção de fármacos. Além disso, espera-se uma piora do impacto social, principalmente em comunidades vulneráveis, mais impactadas pelas mudanças climáticas ou que dependam diretamente dos recursos marinhos.

Portanto, para garantir um futuro sustentável para os corais e toda a vida marinha, é essencial que haja mais engajamento coletivo, políticas públicas eficazes e investimentos contínuos em ciência e inovação. A conservação desses ecossistemas é fundamental para assegurar a riqueza e a beleza do oceano para as próximas gerações.

(*) Janaina Bumbeer é bióloga, doutora em Ecologia e Conservação, e gerente de Projetos da Fundação Grupo Boticário

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