Por Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados
O racismo é um fenômeno histórico, social e estrutural que continua a ser um dos maiores desafios para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Em 2024, observou-se um aumento significativo nos casos de racismo com implicações que vão além de incidentes individuais, refletindo tensões estruturais e culturais.
O ano de 2024 é marcado por crises políticas, econômicas e sociais em várias regiões do mundo, o que intensifica desigualdades raciais. As mudanças tecnológicas, como o avanço da inteligência artificial e das redes sociais, também desempenharam um papel ambivalente: enquanto proporcionam maior visibilidade aos casos de racismo, também ampliaram o alcance do discurso do ódio.
Segundo dados do Disque 100, plataforma oficial do Ministério dos Direitos Humanos para registro de acusações de violação de direitos humanos, até o início de novembro desse ano foram registradas 3.426 acusações de racismo, que incluem mais de 5 mil violações de cunho racial, número que é três vezes maior do que 2020, que registrou 1.149 acusações e também maior do que em 2023, onde foram feitas 2.463 denúncias. A cada ano que passa esse número aumenta ainda mais e de forma assustadora.
Um dos indicadores deste aumento é explicado pela ampliação de denúncias de discriminação racial, agressões verbais e públicas. Hoje, muitas empresas possuem programas de Compliance implementados, sendo que os mesmos permitem as denúncias de forma anônima e sem realização. O uso de smartphones conectados às redes sociais permitiu que qualquer cidadão, não importa o lugar que esteja, possa documentar e divulgar situações de discriminação. Portanto, parte deste aumento pode estar refletido a uma maior conscientização e acesso as plataformas digitais.
Outro indicador denominado de “racismo algorítmico” está relacionado com os sistemas de inteligência artificial usados em recrutamento, policiamento e serviços financeiros que demonstraram vieses racistas, reforçando desigualdades preexistentes. Foram publicados diversos artigos compartilhando que algoritmos de reconhecimento facial, por exemplo, apresentam taxas de erro significativamente maiores ao identificar pessoas afrodescendentes e indígenas.
Ademais, é importante citar a disseminação de ideologias extremistas com outro indicador do aumento de racismo. Líderes políticos e figuras públicas que adotam discursos nacionalistas e excludentes frequentemente legitimam atitudes racistas em suas bases de apoio. A ascensão de movimentos nacionalistas e de extrema-direita em vários países promoveu uma retórica abertamente racista, incentivando o uso da violência e discriminação. Sendo que as redes sociais se tornaram ferramentas eficazes para a propagação do discurso de ódio.
Outro ponto importante de ser comentado é a polarização social, que é impulsionada por uma combinação de fatores, incluindo disputas políticas, diferenças ideológicas, desigualdade econômica e redes sociais. Em contextos polarizados, as divisões sociais se tornam ainda mais evidentes, reforçando preconceitos e estereótipos raciais.
Em sociedades polarizadas, discursos excludentes frequentemente utilizam narrativas de “nós contra eles” para justificar a discriminação contra grupos racializados. Líderes populistas e movimentos nacionalistas costumam explorar o racismo como ferramenta política, pintando minorias raciais como “ameaças” culturais, econômicas ou de segurança.
A polarização leva a desumanização de minorias, que passam a ser vistas como “os outros”, diminuindo a empatia e normalizando a exclusão. Tudo isto, amplificado pelas redes sociais. Neste ambiente, indivíduos tendem a consumir conteúdo que reforça suas crenças pré-existentes. Isso cria “câmeras de eco” onde o racismo pode ser amplificado. Ademais, a desinformação também tem ajudado por meio de teorias conspiratórias e notícias falsas frequentemente utilizadas por elementos racistas para promover medo e hostilidade.
Lidar com a polarização e o racismo exige esforços coordenados que promovam o diálogo (não “opiniões”) intercultural e a construção de pontes entre os grupos. Infelizmente, temos enfrentado sociedades polarizadas onde o diálogo entre grupos opostos é na maioria das vezes rejeitados, pois cada lado desconfia das intenções do outro. O racismo intensifica este problema ao reforçar a ideia de que certos grupos não pertencem ou não merecem direitos iguais.
A polarização e o racismo representam desafios profundos, mas que não podem ser impossíveis de um dia se transpor. O aumento desses fenômenos em 2024 reflete falhas estruturais e sociais que precisam ser abordados com urgência. Embora o combate ao racismo seja central para reduzir divisões, também é necessário um esforço coletivo para despolarizar sociedades, promovendo a empatia, a justiça e a igualdade.
Patricia Punder, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.
Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil). www.punder.adv.br
Crédito da Foto: Divulgação / Patricia Punder / Punder Advogados