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Dentre os participantes, 49 apresentaram mais de 400 ng/mL de cotinina na saliva, nível compatível com quem fuma de 20 cigarros por dia. Outros 15 envolvidos na pesquisa, tiveram concentrações acima de 1000 ng/mL, semelhantes às de fumantes que consomem mais de 40 cigarros diariamente
São Paulo, maio de 2025 – Apesar da proibição da venda de cigarros eletrônicos no Brasil desde 2009, seu uso cresce, especialmente entre adolescentes e jovens adultos. Uma pesquisa inédita do Instituto do Coração (InCor) da USP, realizada em seis cidades paulistas entre abril e setembro de 2024, com 417 usuários exclusivos desses dispositivos, trouxe dados preocupantes. A coleta em locais públicos como academias, universidades e espaços de lazer, associada à análise de biomarcadores na saliva, revelou uma forte correlação entre percepção de dependência e altos níveis de nicotina no organismo.
Mesmo usuários que se diziam casuais apresentaram níveis elevados da substância. As maiores concentrações foram registradas entre os que relataram dependência moderada ou intensa. Frequência de uso, tipo de dispositivo e conhecimento sobre o teor de nicotina influenciaram diretamente os resultados.
“Há muita desinformação sobre os riscos dos cigarros eletrônicos, especialmente sobre o teor de nicotina e o potencial de dependência. Mesmo em países onde são legalizados, o mercado ilegal prevalece. Nos EUA, por exemplo, as marcas mais consumidas são ilegais, apesar de 34 serem aprovadas pelo FDA. No Brasil, manter a proibição facilita a fiscalização e evita a normalização de um produto que só traz prejuízos à saúde”, afirma a Dra. Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor e responsável pelo estudo.
Perfil do usuário
A pesquisa mostrou alta exposição à nicotina entre os usuários, principalmente os com maior percepção de dependência, que registraram níveis médios de 2.400 ng/mL — sendo que um subgrupo ultrapassou 1.000 ng/mL. O perfil predominante foi de jovens adultos (51,4% com até 25 anos), brancos, com alta escolaridade e renda, e 52,4% eram homens.
Entre os participantes, 49 apresentaram cotinina salivar acima de 400 ng/mL — compatível com o consumo de mais de 20 cigarros diários — e 15 superaram 1.000 ng/mL. “Esses níveis representam até seis vezes mais nicotina do que há em um maço de cigarro”, explica a médica.
Mais da metade dos que achavam estar usando produtos sem nicotina apresentaram a substância no organismo. As motivações para o uso variaram: ex-fumantes buscavam parar de fumar; iniciantes, em sua maioria, começaram por influência social.
A média de idade dos participantes é de 28 anos. Ex-fumantes tendiam a ser mais velhos (31,3 anos) que os iniciantes (25,5 anos). A maioria dos usuários iniciantes começou há menos de um ano, gastando até R$ 100 mensais. Já ex-fumantes, mais conscientes, investiam até R$ 500 por mês em dispositivos — geralmente importados — e preferiam nicotina em base livre. Apesar dos perfis distintos, não houve grandes diferenças entre os grupos quanto ao tipo de dispositivo, tempo desde o último uso ou conhecimento sobre o teor de nicotina.
Concentração das substâncias
O tempo desde o último uso foi o principal fator associado aos níveis de nicotina. Já para a cotinina, outros fatores influenciaram: frequência de recarga, percepção de dependência e conhecimento sobre a presença da substância. A análise toxicológica confirmou nicotina em 55,2% das amostras de quem achava estar usando versões sem a substância. Usuários de nicotina em sal apresentaram concentrações mais altas que os que preferiam base livre ou desconheciam a composição dos produtos.
Alerta para a saúde pública
Cerca de 25% relataram piora na saúde. Ex-fumantes demonstraram maior consciência dos riscos, percepção de dependência e criticaram a ausência de regulamentação, pedindo políticas públicas mais eficazes. Os autores destacam que os altos níveis de nicotina são independentes da idade, tempo de uso e histórico de tabagismo, o que sugere alto potencial de dependência desde os primeiros usos. “O cigarro eletrônico é um novo desafio para a saúde pública, elevando a dependência entre jovens e podendo causar doenças respiratórias e cardiovasculares a longo prazo”, alerta o Prof. Dr. Roberto Kalil Filho.
Sobre o InCor
O InCor é um hospital de alta complexidade, especializado em cardiologia, pneumologia e cirurgias cardíacas e torácicas. Reconhecido pela sua excelência, o Instituto oferece atendimento para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), convênio e particular. Além de ser um polo de assistência – desde a prevenção até o tratamento, se destaca também como um grande centro de pesquisa, ensino e inovação. Integra o Hospital das Clínicas e é afiliado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O Instituto recebe suporte financeiro da Fundação Zerbini, uma entidade privada sem fins lucrativos. Sua equipe é composta por médicos e especialistas multiprofissionais de renome nacional e internacional. Equipado com tecnologia de ponta, o InCor oferece os mais modernos e avançados equipamentos de diagnóstico cardiopneumológico da América Latina.