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Maio de 2024 – Apesar de serem mais da metade da população e, em média, possuírem maior grau de instrução (IBGE), as mulheres ocupam apenas 42% dos cargos de chefia no setor público. Quando olhamos para a alta liderança, a sub-representação se agrava, com as mulheres em apenas 38% dos cargos, divididas em 27% naqueles de Natureza Especial, como secretárias executivas, secretárias especiais e subchefias; 32% nos chamados DAS-6 (secretárias nacionais e presidentes de autarquias e fundações) e 40% nos DAS-5 (diretoras, subsecretárias e titulares de departamentos). A presença de mulheres na média liderança (DAS-1 a DAS-4), que contempla coordenadoras-gerais, coordenadoras e titulares de divisão e serviço, chega a 43%, evidenciando que as desigualdades de gênero se acentuam nas posições de maior poder.
Os dados estão no estudo inédito do Movimento Pessoas à Frente, com o título “Desigualdade de Gênero em Cargos de Liderança no Executivo Federal”. A partir de informações do Observatório de Pessoal do Governo Federal, de dezembro de 2023, o estudo analisou o perfil das lideranças do poder executivo federal em cargos de direção e assessoramento superior.
“A inclusão significativa de mulheres, especialmente as mulheres negras, nas posições de alta burocracia, permite uma alocação de recursos e tomada de decisões que verdadeiramente espelham às necessidades de toda a população e promovem a equidade. Esse reconhecimento e atuação fortalecem os valores democráticos e incentivam práticas justas que transcendem o setor público”, afirma Jessika Moreira, diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente.
O levantamento mostra que a desigualdade é maior para as Funções Comissionadas, que são ocupadas exclusivamente por servidores de carreira. Apenas 40% das Funções são ocupadas por mulheres. Os Cargos Comissionados apresentam uma composição mais equilibrada, com 49% de participação feminina.
Desigualdades étnico-raciais
A análise também buscou entender a intersecção entre gênero e raça, em que a sub-representação das mulheres negras é ainda mais significativa. Apesar das pretas e pardas representarem 28% da população brasileira (segundo o Censo Populacional do IBGE de 2022), elas são apenas 15% dos servidores públicos em cargos de liderança. Em menor grau, homens negros também são sub-representados, sendo 27% da população e 22% dos líderes em cargos e funções comissionados.
A participação de mulheres e homens negros cai significativamente conforme a maior importância e remuneração dos cargos, fato também percebido entre as mulheres brancas. Considerando cargos de alta liderança (somando os de Natureza Especial, DAS-6 e DAS-5), mulheres negras são 11%, enquanto homens negros são 15%. Esse número chega a 46% de homens brancos e a 26% de mulheres brancas. Especificamente sobre as funções de Natureza Especial, como secretárias executivas, secretárias especiais e subchefias, apenas 8% são mulheres pretas e pardas, contra 17% de mulheres brancas e 63% de homens brancos.
O estudo sugere que, frente aos avanços insuficientes da representatividade na alta burocracia, é importante criar, incentivar e manter iniciativas já em ação na sociedade e na política, como o decreto 11.443/2023, que dispõe sobre o preenchimento por pessoas negras de percentual mínimo (30%) de cargos em comissão e funções de confiança na administração pública federal. Além disso, o PL 1.958/2021, chamado de Lei de Cotas no Serviço Público, em debate no Senado Federal, deverá prorrogar por 10 anos e ampliar de 20 para 30% a reserva de vagas em concursos públicos para negros. Caso não seja aprovada até o mês de junho, a Lei de Cotas perderá sua validade. O Concurso Público Nacional Unificado, realizado pela primeira vez no Brasil em maio de 2024, também foi apontado como um mecanismo para diversificar e democratizar o acesso ao serviço público, tendo 56,2% das inscrições feitas por mulheres.
“A Lei de Cotas no Serviço Público representa um compromisso importante do Estado brasileiro com a correção de discriminações históricas contra a população negra. Como a equidade é uma pauta de interesse coletivo, e um serviço público mais representativo trará benefícios para todos os brasileiros, acreditamos que a mobilização pela renovação da lei no Congresso pede uma movimentação de toda a sociedade comprometida com um país mais justo e avançado”, reforça Jessika Moreira.
Merece atenção a situação dos servidores indígenas que, diferentemente da população negra, estão presentes nos cargos de liderança em proporção similar à sua participação na população brasileira. Embora sejam apenas 0,8% da população brasileira, representam 1,1% dos Cargos e Funções Comissionados. Na Funai, eles ocupam 42% dos cargos de liderança e no Ministério dos Povos Indígenas, 23%. Na maioria dos órgãos, entretanto, não há nenhuma pessoa indígena, o que sinaliza a concentração em setores e órgãos específicos.
Mulheres permanecem em áreas sociais
A partir da divisão dos órgãos em quatro setores de atuação (Social, Infraestrutura, Econômico e Central), o levantamento olhou para a proporção de mulheres em cada área do governo. O “Social”, que inclui ministérios como o da Cultura, da Educação, da Saúde e do Desenvolvimento Social, tem a maior paridade de gênero, ainda assim com desvantagem para as mulheres (47%). Nos demais, a participação feminina varia entre 36% e 41%. No Ministério da Fazenda (setor Econômico), o maior em número de servidores, apenas um terço (33%) em cargos de liderança são mulheres.
De forma coerente, nos quatro setores temáticos analisados, a proporção de homens brancos cresce na alta liderança, e em três (Central, Infraestrutura e Econômico), eles detêm aproximadamente 50% dos cargos mais importantes. A ausência feminina nas áreas de Economia e Infraestrutura reforça um padrão histórico de atuação no campo social, como a saúde, a educação e a assistência social. Além de reforçar estereótipos de gênero, essa sub-representação em algumas áreas também tem reflexos no contexto econômico das mulheres, já que as áreas Sociais são também aquelas com as carreiras menos valorizadas.
Série histórica
O levantamento do Movimento Pessoas à Frente analisou dados de 1999 a 2023, o que permitiu uma perspectiva histórica sobre os avanços e desafios da equidade de gênero no serviço público brasileiro. Se o percentual de mulheres em cargos de liderança esteve entre 40% e 45% ao longo de toda a série histórica, a partir de 2016, iniciou-se uma trajetória de queda.
É na alta liderança que se percebe a maior alteração da trajetória da representatividade feminina. O ponto de partida em 1999 é muito baixo (18%), mas aumenta progressivamente até 28%, em 2014, quando passa a cair. De 2022 para 2023 há um aumento expressivo – de 27% para 38%. A participação de mulheres negras nos postos de maior destaque também cresceu significativamente de 6% para 11%, bastante superior aos anos anteriores, mas ainda muito distante dos 28% de representação na sociedade brasileira.
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Sobre o Movimento Pessoas à Frente
O Movimento Pessoas à Frente é uma organização da sociedade civil, plural e suprapartidária. Com base em evidências, ajuda a construir e viabilizar propostas para aperfeiçoar políticas públicas de gestão de pessoas no setor público, com foco em lideranças. A rede de membros do Movimento Pessoas à Frente une especialistas, parlamentares, integrantes dos poderes públicos federal e estadual, sindicatos e terceiro setor, que agregam à rede visões políticas, sociais e econômicas plurais.