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Pesquisa mostra que empresas brasileiras que investem em diversidade possuem maior poder para identificar novas formas de gerar valor no mercado
A última edição da pesquisa “Sem Atalhos”, realizada e divulgada recentemente pela empresa de consultoria empresarial Bain & Company, revelou que, entre 2019 e 2024, o número de mulheres na posição de CEO nas empresas brasileiras cresceu de 3% para 6%. No período, foram analisadas 250 companhias, em diversos setores. Ainda segundo a pesquisa, nos cargos executivos a ocupação feminina subiu de 23% para 34%. Um dos principais pontos destacados no relatório é o fato de que as empresas percebidas como diversas em sua liderança também têm maior probabilidade de serem vistas como mais insurgentes, resilientes e com mais foco na linha de frente, além de um índice de satisfação, por parte dos colaboradores, três vezes maior.
“Organizações com perfil insurgente estimulam o questionamento do status quo e a busca por novas formas de gerar valor, especialmente em tempos de baixo crescimento econômico, quando identificar oportunidades inexploradas no mercado ou internamente é algo fundamental. Nesse cenário, a diversidade de gênero na liderança da organização traz perspectivas distintas e ideias que desafiam padrões estabelecidos, promovendo a inovação e a ousadia estratégica”, diz o documento.
Um exemplo recente foi observado com o surgimento do Chãozão, que em menos de um ano se tornou uma das principais referências do mercado imobiliário brasileiro especializado em propriedades rurais, sendo o primeiro portal de anúncios voltado exclusivamente à compra e venda de fazendas, sítios, chácaras e outros. O projeto foi idealizado pela empresária goiana Geórgia Oliveira, que ocupa o cargo de CEO.
Ela já atuava no mercado imobiliário há mais de 15 anos e, diante da proximidade com diversos parceiros, investidores e outros entusiastas do agronegócio e da vida no campo, observou uma carência de ferramentas e plataformas que soubessem dialogar de forma mais assertiva com esse público. Para reforçar a diversidade na tomada de decisões na empresa e a modernização do setor rural, a CEO trouxe para seu time técnico a engenheira agrônoma Renata Apolinário, para ser diretora operacional, e a executiva comercial Alice França, o que faz da plataforma um exemplo de empreendimento bem-sucedido com 100% da linha de comando nas mãos de mulheres. Atualmente, o Chãozão já possui cerca de R$ 350 bilhões em propriedades anunciadas (Valor Geral de Vendas).
No último mês de fevereiro, Geórgia Oliveira apresentou ao mercado uma tabela inédita no Brasil para determinar o preço médio do hectare de terras rurais em cada cidade do país. O Índice Chãozão Valor do Hectare (ICVH), segundo os desenvolvedores, oferece um parâmetro confiável e objetivo para facilitar tomadas de decisão baseadas em dados reais e atualizados de mercado.
“Poucas instituições, como o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), realizam avaliações de terras no Brasil. Entretanto, neste caso elas são feitas de forma anual e leva em conta o valor venal da terra. Como o mercado é dinâmico e, por isso, a valorização e desvalorização em uma determinada localidade pode acontecer em curtos espaços de tempo, com essa ferramenta iremos oferecer um parâmetro que acompanhe essas mudanças de forma instantânea”, explica Geórgia Oliveira.
“Um desafio de posicionamento”
A trajetória da executiva curitibana Tatiana Bogucheski também foi marcada por passagens em setores tradicionalmente liderados por homens. Após quase 15 anos trabalhando na Indústria de Cosméticos e Perfumaria, que ela destaca de forma positiva como “sua grande escola” em termos de gestão para a diversidade, ela passou outro longo período no setor automotivo. Hoje à frente da Pensalab, empresa especializada em soluções de alta tecnologia e precisão para o segmento de instrumentação analítica de laboratórios e processos, ela define que o principal desafio para alcançar e, posteriormente, se manter nesse posto ainda é a necessidade constante de demonstrar e comprovar as suas competências.
“Um grande problema para as mulheres no mundo corporativo, especialmente aquelas que estão ascendendo em cargos C-Level, é que exigem de nós a objetividade, mas quando uma mulher é direta e objetiva, ela normalmente é classificada como agressiva”. Para mim, sempre foi um desafio de posicionamento. Então eu tive que desenvolver meu autoconhecimento para ser, sempre, assertiva em minhas colocações. Ter o timing ideal. Saber argumentar sem subjetividade, com conhecimento e embasamento em dados. “Observo que o mercado atribui às mulheres uma imagem de profissionais guiadas pela intuição, quando na verdade temos competência”, afirma a CEO da Pensalab.
Quanto à presença feminina em cargos de CEO, Bogucheski classifica como ainda muito pequena. “Lideranças financeiras (CFO) mulheres conquistaram mais espaço e exposição, já que o mercado passou a valorizar uma gama mais ampla de competências para estas funções. Mas como CEO, ainda são pouco aceitas”, diz.
A mulher que ensinou os bancos a emprestarem para os pobres
Não é de hoje que o potencial de inovação nos negócios, aliado ao olhar humano, vem sendo bem explorado pelas mulheres que ocupam papéis de liderança. Claudia Cisneiros não utiliza a sigla CEO para definir o seu cargo, mas é ela quem lidera, desde a década de 1980, o Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos (Ceape Brasil), instituição em que ocupa o cargo de diretora-executiva. Seu grande feito também está ligado ao pioneirismo. Ativista social desde a juventude, Cisneiros foi responsável pela implantação, no Brasil, da metodologia do microcrédito produtivo orientado, como estratégia de combate à pobreza.
O ponto inicial foi justamente a criação do Ceape, projeto desenvolvido para tornar acessível o crédito a mulheres empreendedoras de baixa renda, incluindo orientação financeira para garantir a sustentabilidade desses pequenos negócios. Hoje, ela comemora o crescimento e a consolidação da instituição, mas ressalta que é um objetivo contínuo.
“É necessário um trabalho de conscientização constante, pois além de dificuldade em acessar o crédito, grande parte da população é restrita às boas práticas de gestão financeira. Hoje em dia, existe o microcrédito das instituições financeiras comerciais, os grandes bancos, porém este tem um viés de consumo. É um CDC (Crédito Direto ao Consumidor) adaptado. Nós buscamos educar financeiramente para que estes microempreendimentos cresçam, gerem mais renda e emprego e ajudem no desenvolvimento econômico”, ressalta
Em 2024, foram quase R$79 milhões em créditos concedidos somente para as mulheres empreendedoras.
Segundo Claudia, o principal desafio é entender o perfil de risco do público. “Não é simples conceder esse empréstimo, pois trata-se de um público diferenciado, que nem sempre está cadastrado nos bureaus de crédito. A análise do risco precisa ser feita in loco. Muitos nem conta bancária tem. É um trabalho maravilhoso, mas quem deseja participar deste mundo, precisa ter muita paixão e desejo por ajudar ao próximo”, afirma Cláudia.