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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal agendou para a esta quarta-feira, 4, a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 03/2022, que prevê a transferência de propriedade de “terrenos de marinha” para estados, municípios e entes privados. Em maio deste ano, depois de grande debate público sobre as consequências da mudança constitucional, a proposta havia sido arquivada. Conforme alertam especialistas, a proposta pode viabilizar a privatização de praias, ilhas, mangues, assim como margens de rios e lagoas que sofrem influência da maré.
O texto da PEC possibilita a transferência de terrenos de marinha para estados e municípios e a expansão de “foreiros, cessionários e ocupantes”, o que na prática pode significar a venda dessas áreas para a iniciativa privada. “Esta PEC pode representar um retrocesso enorme para o gerenciamento costeiro e para as discussões da mudança do clima, que exigem o reforço de medidas voltadas à conservação da natureza em regiões costeiro-marinhas”, alerta Ronaldo Christofoletti, membro de Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (IUCN) e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Os terrenos de marinha são as áreas situadas na costa marítima que contornam ilhas, margens dos rios e das lagoas, em faixa de 33 metros medidos a partir da posição da maré cheia. Além de colocar em risco a proteção de ambientes marinhos e a economia das comunidades costeiras, a privatização de praias pode resultar na elitização de espaços que devem permanecer públicos e acessíveis à população. “A PEC 03 claramente traz uma abertura legal para ocupação irregular de áreas costeiro-marinhas, desmatamento de manguezais e restingas e privatização de áreas públicas que são utilizadas pelas comunidades para fins sociais, econômicos, culturais, religiosos, entre outros”, acrescenta o especialista.
Para Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e também membro da RECN, uma das principais motivações da proposta é a tributação sobre ocupantes desses terrenos de marinha, que se soma ao IPTU pago aos municípios. Os ocupantes de terrenos de marinha precisam pagar à União uma taxa de ocupação anual e o laudêmio, uma taxa cobrada em caso de venda ou transferência do imóvel. “Ao invés de buscar uma solução para a questão tributária, essa PEC desconsidera aspectos fundamentais e atuais da dinâmica costeira, tanto do ponto ambiental quanto do social e econômico. Além disso, é uma situação paradoxal, pois essas áreas correm o risco de desaparecer em função dos processos erosivos, uma tendência agravada pela elevação do nível do mar causada pelas mudanças climáticas” alerta o professor.
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