Figura 5 do artigo / Polos paleomagnéticos para unidades sedimentares remagnetizadas de Gondwana Ocidental / Imagem: Divulgação IAG/USP
Técnicas avançadas de análise de rochas superficiais e amostras de poços profundos possibilitou a identificação de dois novos componentes magnéticos, propiciando uma atualização do entendimento sobre a evolução de Gondwana Oeste, supercontinente que agrupava América do Sul e África antes do período Jurássico
Um estudo publicado na revista científica Journal of Geophysical Research: Solid Earth oferece a atualização do entendimento sobre a evolução de Gondwana Ocidental, também denominada Gondwana Oeste, que, a partir de movimentações das placas tectônicas, resultou na separação da América do Sul e África. Por meio da aplicação de técnicas avançadas de análise de rochas superficiais e amostras de poços profundos, pesquisadores da Universidade de São Paulo, Universidade de Yale e Instituto de Tecnologia da Califórnia identificaram dois novos componentes magnéticos, atualizando o conhecimento sobre o processo de remagnetização em larga escala da Gondwana Ocidental. Segundo os autores, ele se deu por meio do aquecimento prolongado durante colisões tectônicas, seguido por elevação e resfriamento.
Durante o final do período Ediacarano (cerca de 550–540 milhões de anos atrás), a Terra sofreu mudanças biológicas, geoquímicas e geomagnéticas significativas. O geólogo Thales Pescarini, autor correspondente do estudo, explica que o trabalho focou em estudar o Grupo Nama (na bacia do Foreland, na Namíbia), uma formação rochosa fundamental desse período. “As pesquisas anteriores sobre os dados paleomagnéticos do Grupo Nama, embora fundamentais para o registro do antigo campo magnético da Terra, se mostraram limitadas, pois a remagnetização resultou em um obscurecimento dos sinais originais. Com as técnicas modernas que adotamos, fornecemos mais evidências geofísicas de como se deu essa evolução”, explica Thales Pescarini, pesquisador do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
O estudo foi realizado no âmbito do doutorado sanduíche de Thales Pescarini, com filiação pelo IAG-USP e pela Universidade de Yale. A pesquisa faz parte do projeto Fapesp intitulado Magneto e cicloestratigrafia do Grupo Nama, na Namíbia: implicações tectônicas e geocronológicas na transição Ediacarano – Cambriano, de responsabilidade do professor Ricardo Ivan Ferreira da Trindade, professor titular do Instituto de Geofísica do IAG-USP e coautor do estudo. Também assinam o artigo os pesquisadores David Evans, da Universidade de Yale; Joseph Kirschvink, do Instituto de Tecnologia da Califórnia e Henrique Fernandes, do Instituto de Geociências da USP (IGc).
História geológica sendo revelada
O final do Período Ediacarano e o início do Período Cambriano, objeto deste estudo, testemunhou o surgimento dos primeiros organismos macroscópicos complexos e sua rápida diversificação em filos modernos, alterações significativas nos ciclos biogeoquímicos, incluindo potencialmente um aumento nos níveis de oxigênio atmosférico e um registro paleomagnético enigmático, que permanece insuficientemente compreendido.
Focando em ampliar a compreensão sobre o registro paleomagnético enigmático, ou seja, no paleomagnetismo (como o campo magnético terrestre se registra nas rochas ao longo dos tempos), os pesquisadores selecionaram o Grupo Nama, uma unidade geológica particularmente importante para a compreensão da transição Ediacarano-Cambriana, por conta de seu rico registro paleontológico, geoquímico e sedimentológico. “O estudo do Grupo Nama propicia insights sobre as mudanças bióticas e ambientais ocorridas nesse período”, ressalta Pescarini.
A Bacia de Nama abrange extensas áreas no centro e sul da Namíbia. A Namíbia e a Bacia de Santos estavam conectadas por meio do supercontinente Gondwana antes de sua fragmentação, dando origem aos atuais continentes do Hemisfério Sul, incluindo África e América do Sul. Vale ressaltar que as rochas encontradas na Bacia de Santos e na Namíbia compartilham características e idades que comprovam essa ligação geológica. Desta forma, são rochas tidas como peças-chave para a compreensão das mudanças ocorridas no planeta durante esse período devido ao seu rico registro paleontológico, sedimentológico e geoquímico.
Amostragem e descobertas
Foram utilizadas técnicas de cicloestratigrafia, microanálise e microscopia magnética, além de técnicas convencionais, para a análise de rochas superficiais e amostras de poços mais profundos. Após esse processo foi possível identificar dois componentes magnéticos: C1, que reflete influências geomagnéticas modernas, auxiliando na orientação da amostra; e o C2, que se formou durante a remagnetização do início do Paleozoico (cerca de 490–480 milhões de anos atrás), que envolve influência térmica sobre os minerais magnéticos pirrotita (Fe7S8) e magnetita (Fe3O4). Essa remagnetização provavelmente ocorreu durante a consolidação tectônica Cambriano-Ordoviciana do megacontinente Gondwana Ocidental.
Entre as descobertas, os pesquisadores concluem que o papel do C2 na remagnetização no Grupo Nama se deve principalmente a uma magnetização remanescente termoviscosa (TVRM) e pela magnetização remanescente térmica (TRM) e não pela magnetização remanescente química (CRM). “Isso é corroborado pela presença de baixas temperaturas de desbloqueio, juntamente com evidências termocronológicas de aquecimento prolongado durante colisões tectônicas e subsequente resfriamento. Em outras palavras, houve aquecimento durante colisões tectônicas, seguido por elevação e resfriamento”, contextualiza Pescarini.
De acordo com os autores, estudos futuros devem se concentrar na compreensão dos processos responsáveis pela elevação e resfriamento generalizado nessas diversas bacias neoproterozoicas, juntamente com modelos geodinâmicos e observações sedimentológicas estratigráficas.
Artigo científico
Pescarini, Thales & Trindade, Ricardo & Evans, David & Kirschvink, Joseph & Pierce, James & Fernandes, Henrique. Magnetic Mineralogy and Paleomagnetic Record of the Nama Group, Namibia: Implications for Large-Scale Remagnetization of West Gondwanaland and Ediacaran Geomagnetic Instability. Journal of Geophysical Research: Solid Earth. 2025-03. Disponível em https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2024JB030612.
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