25 de novembro de 2024

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Transfobia é tema de campanha contra discriminação da UFSCar

Foto: Freepik

Além da agressão física, comentários inadequados, piadas, invisibilidade e até olhares inquisidores são também formas de violência

Piadas que aparentemente não ofendem. Falas que parecem inofensivas. Olhares que julgam. Essas são algumas situações vividas cotidianamente pelas pessoas trans. Mas e você: já exerceu alguma dessas violências? A prática, inaceitável, tem nome: transfobia, e é um dos temas da campanha “Discriminação não cabe na UFSCar. Aprenda, ensine: Violência é crime”, lançada no mês de outubro pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

“A palavra fobia tem sua origem no grego phobos, que significa ‘medo’ ou ‘terror'”, esclarece Thiago Loureiro, coordenador de Diversidade e Gênero da Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE) da UFSCar. Segundo ele, a LGBTFobia, como o nome indica, consiste em “comportamentos ou práticas que violentam pessoas que possuem orientações afetivas-sexuais e/ou identidades de gênero dissidentes da matriz cisheteronormativa, isto é, violências cometidas contra pessoas que não se enquadram no padrão de cisgênero e/ou padrão de sexualidade heterossexual. Atos de transfobia são caracterizados por sentimentos e ações como medos, preconceitos, discriminações, estigmas, aversão ou ódio às pessoas que fogem desse padrão dito cisheteronormativo”.

Para Loureiro, as violências não são apenas físicas ou diretas, mas também se realizam a partir de comentários inadequados, de piadas, da invisibilidade, de olhares inquisidores e até do apagamento da memória. “Estamos em 2023 e ainda existe muita desinformação em nossa sociedade, fato que contribui para a perpetuação de estigmas e de violências à população LGBTQIA+”. Ele explica que isso não se dá por acaso, mas deriva de “um histórico sociocultural de diferentes instâncias reguladoras dessas vidas, seja no âmbito religioso (pecado), jurídico (criminalização) ou das ciências biomédicas (produção de um tipo específico de conhecimento/patologização)”.

Quando olhamos para a comunidade LGBTQIA+, as pessoas trans, representadas pela letra T da sigla, sem dúvidas são as que merecem maior atenção. Os dados não deixam dúvidas: o Brasil ainda está muito atrasado quando se fala de direitos da população trans. Segundo o dossiê “Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras (2023)”, citado por Loureiro, o Brasil figura como o país que mais assassinou pessoas trans pelo 14º ano consecutivo, sendo que 76% das mortes foram de travestis negras. “Tal fato decorre, entre outros fatores, pelo desamparo familiar, as restrições ao acesso e à permanência em escolas, universidades e no mercado de trabalho, lançando parte relevante dessas vidas à precariedade existencial e, compulsoriamente, à marginalização”, explica ele.

O coordenador de Diversidade e Gênero da UFSCar ainda destaca: “apenas 0,02% da população trans consegue acessar o Ensino Superior público em nosso País, o que não garante a permanência, nem tampouco a conclusão dos estudos. Na UFSCar, recebemos denúncias frequentes de desrespeito ao nome social e de constrangimentos para usar o banheiro. Há casos em que estudantes evitam tomar água com o receio de usar o banheiro, com graves implicações para a saúde. A realidade marcada por constantes violências e impedimentos afeta diretamente o acesso dessas pessoas aos serviços públicos, entre eles, educação, saúde, meios sociais e segurança pública. Ao longo do período de formação básica, a evasão escolar é muito comum na vida de pessoas trans, uma vez que o desrespeito às suas identidades, assim como as condições financeiras dessa população, interferem incisivamente na continuidade dos estudos”.

E como é ser trans nesse cenário? “É difícil em todos os aspectos, mas acredito que a marginalização seja um dos mais dolorosos. Nesse lugar, você não está somente separado, mas impedido de ter a mesma cidadania das outras pessoas”, relata Marc Tristão, estudante do curso de Licenciatura em Matemática da UFSCar. Para ele, esse preconceito deriva de “questões histórico-culturais, e principalmente de um obscurantismo e negacionismo da ciência que podemos observar em várias épocas”. 

As consequências da violência contra pessoas trans também têm efeitos na saúde. “Em decorrência dos desamparos, injúrias e violências a que está submetida, a população LGBTQIA+ apresenta maior suscetibilidade a desenvolver transtornos mentais, ideação suicida e suicídio. Muitas das pessoas LGBTQIA+ deixam de procurar serviços de saúde pública devido à falta de preparo dos profissionais, tanto no acolhimento, quanto na abordagem e conduta dessas pessoas”, explicita Loureiro. 

Como combater a transfobia?

Para o estudante Marc Tristão, o primeiro passo que as pessoas poderiam dar no sentido de contribuir para uma cultura mais acolhedora para pessoas trans seria “enxergar que, assim como as pessoas cis, possuímos subjetividades”. Outra recomendação é “procurar vínculos e contato com pessoas trans, pois na vivência acabamos não só obtendo material pra discutir, mas de fato criamos redes de apoio efetivas”.

No âmbito mais estrutural, o coordenador de Diversidade e Gênero da Universidade ressalta que “é urgente a promoção de políticas públicas e ações afirmativas que possibilitem às pessoas trans o acesso à educação e ao mercado de trabalho no Brasil, além do avanço nas esferas legais – o reconhecimento e a reivindicação imediata do direito a ter direitos”. 

Para ele, “é importante que consideremos aspectos interseccionais, como identidade de gênero e orientação afetivo-sexual, associados a outros marcadores sociais, como a raça, a idade, o território e a classe social. O nosso País carece de um mapeamento apurado desses dados para a construção de uma agenda efetiva em prol da comunidade LGBTQIA+, bem como a elaboração, implementação, avaliação e acompanhamento de políticas públicas direcionadas”.

“Novamente, mudanças culturais são lentas e a educação é a chave para se repensar essas e outras questões. (…) É preciso lutar por reconhecimento e investir massivamente em educação, passando, inclusive, por reformulações curriculares, bem como na educação continuada dos ambientes corporativos e também no desenvolvimento de mecanismos que garantam a inclusão e a permanência desta população em escolas, universidades e no mercado de trabalho”, completa.

Para Tristão, que integra o Grupo de Trabalho Transformação (GT Trans) da UFSCar, a inclusão vai além de falas: “A maioria das pessoas hoje adota um discurso em que sinalizam virtude, mas na prática continuam excluindo (não só) pessoas trans dos afetos e dos locais de prestígio e destaque. Escutem pessoas trans não só quando elas estiverem falando sobre ser trans!”.

Serviço

Transfobia é crime. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que atos de homofobia e transfobia sejam enquadrados como crime de injúria racial, definido na Lei de Racismo. Por isso, em caso de emergência, acione a Polícia Militar pelo Disque 190. Se o crime já aconteceu, procure uma autoridade policial para registrar a ocorrência. 

Para mais orientações sobre o assunto, acesse a cartilha “Comunicação não violenta – uma abordagem trans inclusiva” (https://bit.ly/46XA8uA), disponível gratuitamente em texto e áudio, numa produção da UFSCar, por iniciativa do Grupo de Trabalho Transformar (GT Trans) e da Secretaria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE), e também os vídeos da campanha Transformação no canal de YouTube UFSCarOficial.

Sobre a campanha “Discriminação não cabe na UFSCar”

A campanha “Discriminação não cabe na UFSCar. Aprenda, ensine: Violência é crime” é uma estratégia para realizar um movimento educativo com a comunidade, a fim de que todas as pessoas possam perceber o quanto são violentas em suas atitudes cotidianas, mudando seu comportamento. Ela também tem o papel de mostrar que qualquer ato de violência é passível de investigação e punição perante a lei. 

A Campanha apresenta temas diversos: racismo, transfobia, machismo, gordofobia, etarismo, assédio e capacitismo. Os conteúdos estão sendo veiculados no Portal da UFSCar e nas redes da UFSCar Oficial no Facebook e Instagram (@ufscaroficial), além de contar com a participação da Rádio UFSCar. 

“Somos uma comunidade humana e plural. Combater todos os tipos de violência é importante para garantir o convívio pacífico e, mais que isso, permitir com que as diferentes visões de mundo se encontrem e permitam, com isso, a construção de um conhecimento plural, diverso, elaborado a partir de diferentes pontos de vista, experiências e culturas. Não é possível viver em uma sociedade de paz sem combater todos os tipos de violência”, afirma o Secretário Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE), Vinícius Nascimento.

“Cada pessoa da comunidade UFSCar precisa se enxergar como um instrumento dessa transformação. A mudança exige o trabalho diário, a partir do diálogo franco e do forte engajamento de todas e todos”, conclui Ana Beatriz de Oliveira, Reitora da Universidade.

Entendendo a sigla LGBTQIA+

O termo LGBTfobia foi estabelecido durante a III Conferência Nacional de Políticas Públicas de Direitos Humanos LGBT, ocorrida em abril de 2016, em Brasília. Segundo Loureiro, é importante conhecer o significado do acrônimo LGBTQIA+. “Trata-se de uma terminologia referente aos grupos de pessoas de diferentes orientações afetivo-sexuais e/ou identidades de gênero”, explica. Ele ainda detalha: “já sabemos que orientação afetivo-sexual e identidade de gênero não são a mesma coisa, nem tampouco possuem uma correlação ‘automática’. Por exemplo, uma mulher transgênero pode se atrair sexualmente ou afetivamente tanto por homens (cis ou trans), como por mulheres (cis ou trans), por ambos, tanto como por pessoas não-binárias, ou ainda, não sentirem qualquer atração sexual ou afetiva por outras pessoas”. Ele também faz uma diferenciação: sexo tem um cunho estritamente biológico, enquanto gênero tem escopo psicossocial. “É no gênero que nos tornamos, vivemos e existimos como homem e mulher”, complementa. Assim, a sigla LGBTQIA+ compreende grupos de pessoas organizadas tanto em relação à orientação afetivo-sexual como às identidades de gêneros.

Por orientação afetivo-sexual (este é o termo correto e não opção sexual), entende-se a atração ou a ligação afetiva ou sexual que se sente por outra(s) pessoa(s), isto é, para quem se direciona o desejo. De uma maneira simplificada, existem as seguintes possibilidades:

– Heterossexual: pessoa que se sente atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas do sexo/gênero oposto.

– Homossexual (Gays e Lésbicas): pessoa que se sente atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo/gênero.

– Bissexual: pessoa que se sente atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas de ambos os sexos/gêneros.

– Assexual: em geral, possui pouca ou nenhuma atração sexual, mas pode se envolver afetivamente com outras pessoas;

– Pansexual: o prefixo pan vem do grego e se traduz como “tudo”. Significa que as pessoas pansexuais podem desenvolver atração física, amor e desejo sexual por outras pessoas, independentemente de sua identidade de gênero ou sexo biológico. A pansexualidade é uma orientação que rejeita especificamente a noção de dois gêneros e até de orientação sexual específica. 

Já a identidade de gênero diz respeito à percepção íntima que uma pessoa tem de si como sendo do gênero masculino, feminino, de alguma combinação dos dois, ou mesmo de nenhum deles, independente do sexo biológico. “A identidade traduz o entendimento que a pessoa tem sobre ela mesma, como ela se descreve, reconhece-se e deseja ser reconhecida socialmente”, ressalta Thiago Loureiro.

“É importante compreender que o gênero não está somente relacionado à anatomia dos órgãos genitais. A autoimagem da pessoa é o fator que mais se sobressai já que ela se define conforme a sua percepção de si mesma. Além de envolver a maneira como a pessoa se enxerga no mundo, engloba também o modo de expressão, como as roupas e a aparência. Consequentemente, o seu comportamento, linguagem corporal, modo de falar e até modo de pensar também são influenciados pela identidade com a qual se identifica. Em suma, é a identificação subjetiva da pessoa, ou seja, é a forma como ela se identifica no mundo e para o mundo”, conclui. 

De forma geral, podemos encontrar as seguintes identidades de gênero:

– Cisgênero: pessoa cuja identidade de gênero está alinhada ao seu sexo biológico. Aquelas que são biologicamente definidas como mulheres e possuem identidade de gênero feminina ou biologicamente definidas como homens que possuem identidade de gênero masculina.

– Transgênero: terminologia normalmente utilizada para descrever pessoas que não se identificam com o gênero com o qual foram designadas com base em seu sexo biológico. Assim, identifica-se (ou pode se identificar, a partir de determinado momento da vida) com um gênero diferente daquele que lhe foi atribuído no nascimento. Por exemplo, ao nascer, por causa de seu sexo biológico, uma pessoa pode ser considerada de um gênero – homem/masculino -, mas esse gênero não corresponde a como ela se entende e se identifica; nesse caso, essa pessoa trans pode se identificar como feminina/mulher.

– Travesti: utilizado apenas por pessoas trans com identidades femininas. Foi designada homem ao nascer, mas se entende como uma pessoa feminina que não necessariamente se encaixa no conceito tradicional (binário) de mulher. Trata-se de uma identidade predominantemente latino-americana. No Brasil, possui um forte cunho político de resistência contra a opressão e a marginalização. 

– Não-binário: é alguém que não se identifica completamente com o “gênero de nascença” nem com outro gênero. Esta pessoa pode não se ver em nenhum dos papéis comuns associados aos homens e às mulheres (pessoa agênero), bem como pode vivenciar uma mistura de ambos (pessoa gênero fluido).

Letras da sigla LGBTQIA+

Entenda, abaixo, o significado de cada letra da sigla LGBTQIA+:

– L (Lésbicas): Mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero, ou seja, outras mulheres;

– G (Gays): Homens que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero, ou seja, outros homens;

– B (Bissexuais): Homens e mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelos gêneros masculino e feminino;

– T (Pessoas Trans): Termo guarda-chuva para uma gama de pessoas que não se identificam com o gênero com o qual foram designadas com base em seu sexo biológico e na binaridade. Elas podem ser transgênero/transexual (homem ou mulher), travesti (identidade feminina) ou pessoa não-binária, que se compreende além da divisão “homem e mulher”;

– Q (Queer): termo de origem inglesa que diz respeito a quem não se identifica e não se rotula em nenhum gênero. Transitam entre as noções de gênero e questionam a cisheteronormatividade;

– I (Intersexuais): pessoas que têm características sexuais congênitas, não se enquadrando nas normas médicas e sociais para corpos femininos ou masculinos, por exemplo, pessoas com genitália ambígua;

– A (Assexuais): pessoas que têm como principal característica a falta de atração sexual por outra pessoa, independentemente de gênero;

– +: Demais possibilidades de orientações afetivo-sexuais e identidades de gênero. “É importante frisar que a sigla tem passado por mudanças ao longo do tempo, tanto pelos avanços no campo de estudos de gênero e sexualidades, mas, também, pela consolidação dos Movimentos Sociais Organizados desses coletivos. Não há uma instância oficial de validação das siglas, nem tampouco um consenso na sua utilização. Trata-se de uma convenção para usos específicos, a depender do que e a quem quer comunicar”, salienta o coordenador de Diversidade e Gênero da UFSCar.

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