Mamadou Ba em Belém / Foto: ©ONU Mulheres Brasil /Lali Mareco
No Dia Internacional de Pessoas Afrodescendentes, conheça o que pensa o ativista antirracista luso-senegalês e dirigente do Movimento SOS Racismo
Belém, 31 de agosto de 2023 – “O que vivi ao longo dos anos é que a xenofobia é tão insidiosa que, para as pessoas refugiadas e migrantes, o seu corpo é o seu próprio país”, afirma o ativista antirracista e dirigente do Movimento SOS Racismo, Mamadou Ba.
Nascido no Senegal e cidadão português, Mamadou vive atualmente no Canadá, onde é estudante de Doutorado. Em suas próprias vivências de deslocamento, o ativista afirma ter sofrido na pele a discriminação e o preconceito enraizados nas sociedades. Para ele, isso ocorre porque muitas pessoas ainda tendem a perceber as diferenças como ameaças, quando deveriam vê-las como um valor positivo que enriquece as interações.
Nesse contexto, as pessoas refugiadas têm muito a ensinar.
“Nós não temos nada a ensinar às pessoas refugiadas, porque há tanta agência política em uma pessoa que decide recusar o determinismo em uma situação catastrófica. Essas pessoas têm que manter a energia da vontade de futuro, de vida. Procurar refúgio é não deixar morrer a vontade de futuro.”
Nas palavras de Mamadou, um erro recorrente das sociedades é enxergar a proteção internacional como um tipo de favor. No entanto, o refúgio é uma obrigação da moral pública. “O direito à mobilidade é um direito universal, porque nele se concentra o direito à vida, a querer viver, a respirar e a aspirar uma condição melhor”, afirma.
O ativista pensa que, acima de qualquer circunstância institucional, administrativa e política, deve estar a dignidade humana. Nesse sentido, o desenvolvimento de políticas públicas deve incidir em todos os aspectos da vida das pessoas refugiadas – que não podem ser consideradas subcidadãs – e levar em consideração novos fatores que ocasionam deslocamentos forçados.
“É preciso imprimir cada vez mais uma vontade de implementar políticas públicas para responder às vulnerabilidades novas – pessoas deslocadas em massa por várias circunstâncias, por causa da crise climática, das guerras, da fome”.
Mamadou considera que as pessoas refugiadas precisam ter acesso a quatro pilares fundamentais em qualquer estado democrático: saúde, emprego, habitação e educação. “Para uma pessoa reconstruir a sua vida depois de uma tragédia, ela tem que ter no mínimo esses quatro componentes para começar a resgatar a sua humanidade, começar a reconstruir a sua pessoa, o seu ambiente, e isso só pode acontecer com um compromisso político muito forte”, disse.
Dia Internacional de Pessoas Afrodescendentes
Em 31 de agosto, as Nações Unidas celebram o Dia Internacional de Pessoas Afrodescendentes. O secretário-geral da ONU, António Guterres, destaca que a data é um lembrete de que milhões de pessoas de ascendência africana ainda estão sujeitas ao racismo e à discriminação racial profundamente enraizada e sistêmica.
Mamadou acredita que datas como essa são importantes para definir a consciência coletiva. “Os afrodescendentes são uma parte da humanidade que habita este planeta e que necessita, merece e deve ter o direito à justiça no sentido lato – justiça racial, econômica, climática”, disse.
Para ele, o racismo e a xenofobia inviabilizam a democracia, que não pode conviver com ideias de violência, exclusão e perseguição.
“Para construir a democracia, temos que derrotar o racismo. E para derrotar o racismo temos de entender que cada ato antirracista é um ato de amor à humanidade, e um ato de desamor à repressão e à violência.”
Mamadou esteve em Belém, Pará, na última semana, para uma série de atividades promovidas pela Prefeitura de Belém e pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Por intermédio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Mamadou conheceu pessoas refugiadas do Haiti e indígenas da Venezuela, e disse ter ficado “muito tocado” com as experiências compartilhadas por elas, tanto por seus relatos quanto por suas propostas para o futuro.
Para o haitiano Ermano Prévoir, que participou da conversa, a atividade foi de muito aprendizado. “Até hoje, bastantes pessoas não entendem que nós somos habitantes da terra, independentemente da nossa cor. Esse trabalho de conscientização sobre o racismo é para que todo o mundo possa entender que todos nós temos importância para o desenvolvimento sustentável do mundo”, disse.