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Maior conscientização sobre higienização bucal e colocação de flúor nas águas de abastecimento das cidades estão entre as medidas que contribuíram para mudar o cenário de incidência de cárie no Brasil. Desde 1986, a média de dentes careados em crianças de 12 anos caiu de sete para dois. No país, muitas lesões não cariosas acabam sendo tratadas como cárie, trazendo prejuízo para pacientes. Esse é um dos exemplos de overdiagnosis e overtreatment, que ocorrem nos consultórios de odontologia. O alerta é do dentista Sérgio Kignel, doutor em Diagnóstico Bucal e diretor da Clínica Sérgio Kignel
“Aquele dentista é muito bom. Fui à consulta e ele me pediu mais de dez exames diferentes”. Afirmações como essa, feita por pacientes, são comuns e completamente equivocadas, informa o dentista Sérgio Kignel, doutor em Diagnóstico Bucal, professor titular da disciplina de Semiologia do Centro Universitário Herminio Ometto (UNIARARAS) e diretor da Clínica Sérgio Kignel. “É uma situação típica, relacionada a dois fenômenos que acontecem na saúde, seja em consultórios odontológicos ou médicos, denominados overdiagnosis e overtreatment (excesso de diagnóstico e tratamento), ambos prejudiciais para o paciente e, em sentido mais amplo, para o setor de saúde como um todo”, alerta.
O overdiagnosis refere-se à sobreutilização de procedimentos diagnósticos que, muitas vezes, levam à adoção de terapias desnecessárias, fazendo surgir o overtreatment, que é a sobreutilização de procedimentos terapêuticos. Um exemplo na odontologia, em que o overdiagnosis e o overtreatment acontecem é em relação à cárie, mesmo sendo esse um problema de saúde, que nas últimas décadas, tem diminuído no Brasil. A menor incidência de cárie é resultado, principalmente, da maior conscientização das pessoas em relação à higienização bucal e das medidas de saúde pública, como a colocação de flúor nas águas de abastecimento das cidades.
O levantamento SB-Brasil (Pesquisa Nacional de Saúde Bucal), realizado a cada 10 anos, mostra que crianças de 12 anos, em 1986, tinham em média sete dentes cariados na boca. No levantamento mais recente, realizado em 2010 (o de 2020 foi postergado devido à pandemia da Covid-19) essa média é de duas cáries. Apesar da queda na incidência de cáries na população como um todo, o overdiagnosis e o overtreatment acontecem, inclusive, entre os que têm condições de buscar a assistência odontológica privada.
Será que é cárie?
“Isso porque há muitas lesões não cariosas que acabam sendo diagnosticadas e tratadas como cárie”, afirma Kignel. São casos em que os dentes apresentam pequenas reentrâncias um pouco mais escurecidas ou mesmo manchas no esmalte mais escurecidas e opacas. São características estruturais do dente, que são confundidas com cáries. Com isso, o dente sadio passa por um tratamento desnecessário e que, mais grave ainda, pressupõe um desgaste do esmalte. “Esse desgaste, por menor que seja, leva a riscos futuros de infiltrações, comprometendo a saúde da dentição do paciente”, diz.
Portanto, é muito importante o diagnóstico correto. O desenvolvimento de uma cárie compreende seis etapas: mancha branca no dente; lesão de cárie inicial; dentina infectada; invasão na polpa dentária; abscesso dentário e perda do dente. É um processo relativamente longo e, para reconhecer uma cárie, principalmente, na fase inicial, é preciso ter conhecimento da anatomia do dente e boas condições para o exame clínico, como iluminação adequada e o instrumental necessário (secador de estrutura, espelhinho, explorador, sonda, entre outros). Mesmo com um bom exame clínico, há situações em que é preciso radiografar. Nesses casos, o dentista conta com a radiografia periapical e a interproximal, também conhecida como Bite Wing.
Critério diante da radiografia
A radiografia periapical fornece imagens da coroa e da raiz do dente. E a Bite Wing captura imagens das coroas superiores e inferiores dos dentes. “Com a Bite Wing, radiografamos até seis dentes de uma vez e conseguimos verificar se há cáries entre eles”, informa. Mesmo com auxilio da radiografia, o dentista deve ser criterioso. “Às vezes, em radiografias, aparecem desgastes que são próprios dos dentes do paciente, mas muito similares a uma cárie. No entanto, clinicamente, não são cáries e não devem ser tratadas”, alerta. “O inverso também pode acontecer. O paciente tem uma manchinha pequena e ao fazer a radiografia, descobrimos uma cárie por baixo do esmalte, devido uma infiltração”, exemplifica.
Atenção para população de risco
Paralelamente ao alerta para o excesso de exames e tratamento, deve haver também uma maior preocupação com comunidades mais vulneráveis. Estudo publicado na revista de Odontologia da UNESP, que avaliou a prevalência e severidade de cáries dentárias em alunos de 130 escolas do ensino fundamental do município de Sarandi, no Paraná, mostra que a prevalência de cárie dentária foi 83% entre os alunos de 6 a 14 anos, durante quatro meses de intervenção.
O Ministério da Saúde brasileiro relatou que a cárie está presente em mais de 50% das crianças de até 5 anos, aproximadamente 80% dos adolescentes e quase 100% da população adulta. A preocupação está no fato de a distribuição da doença ser desigual, com maior prevalência nas populações mais vulneráveis socioeconomicamente. O controle da cárie é possível a partir de métodos preventivos, como higiene bucal adequada e redução da frequência de ingestão de açúcar.
Sobre a Clínica Sérgio Kignel – A Clínica Sérgio Kignel é especializada em cuidados com a saúde bucal e prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças relacionadas com a boca. É dirigida por Sérgio Kignel, dentista graduado pela Organização Santamarense de Educação e Cultura, mestre e doutor em Diagnóstico Bucal pela Universidade de São Paulo e professor titular da disciplina de Semiologia do Centro Universitário Herminio Ometto (UNIARARAS). Autor do livro Estomatologia-Bases do Diagnóstico para o Clínico Geral, obra que, em 2007, recebeu o primeiro lugar do Prêmio Jabuti na categoria Ciências Naturais e Ciências da Saúde.