Psicóloga Heloísa Bueno e neuropsicopedagoga Tânia Mattos, especialistas em ABA, explicam que falta do elo entre terapeutas, escola e família prejudica desenvolvimento global da criança
A presença de crianças autistas em sala de aula é assegurada por lei. Mesmo assim, a conquista de uma vaga ainda é um desafio em si diante da resistência de escolas em aceitar alunos no espectro. Estima-se que o Brasil tenha pelo menos 2 milhões de pessoas com autismo e, em casos recentes, uma criança no espectro foi excluída de sua cerimônia de formatura escolar e outra foi abandonada pela direção da escola diante de casos de bullying. Essas situações provam que a qualidade do ensino vai muito além de conseguir matricular a criança.
Como explica a neuropsicopedagoga especialista em neurodesenvolvimento, autismo e ABA (Análise de Comportamento Aplicada, em português), Tânia Mattos, cada criança com autismo possui particularidades que precisam ser avaliadas e a indicação da abordagem deve respeitar isso. “A palavra-chave no autismo é ‘depende’. Normalmente, algumas das crianças autistas que estão em sala de aula precisam de um acompanhamento individualizado para que possam realizar suas atividades, ter uma aprendizagem com maior êxito dos conteúdos repassados bem como o redirecionamento dos comportamentos inadequados que podem vir ou não a surgir”, esclarece.
Fundamental ao desenvolvimento
A especialista reforça que o acompanhamento – que é proposto por lei – nem sempre é necessário. No entanto, quando existe a indicação ele passa a ser fundamental ao desenvolvimento da criança. Ainda assim, antes de definir essa necessidade, a criança autista em fase escolar precisa ser cuidadosamente avaliada.
“É de praxe que, após o diagnóstico feito, essa criança que está em fase escolar passe pela triagem psicológica dentro da análise do comportamento. Essa triagem vai fazer o levantamento das habilidades que a criança tem e das habilidades que ela precisa desenvolver”, explica Tânia.
Além disso, a neuropsicopedagoga esclarece que a etapa seguinte a esse levantamento é o acompanhamento em parceria com a instituição de ensino. “Quando a escola é aberta para ouvir as terapeutas, é feito um Plano de Ensino Individualizado (PEI). Esse PEI vai dar à escola o respaldo e as orientações precisas para que ela possa construir o conhecimento dessa criança”, completa.
Um exercício de flexibilização
Ainda que o assunto pareça estabelecer a necessidade de um ensino específico para a criança com autismo em idade escolar, a psicóloga especialista em ABA (Análise de Comportamento Aplicada, em português), Heloísa Bueno, ressalta que a proposta na verdade é a adaptação da rotina de ensino para incluir essa criança e estimular a interação ao invés de separá-la dos demais alunos.
“Quando a criança tem a base cognitiva preservada, o que ela vai ter é uma adaptação de material. Essa adaptação não foge do conteúdo, o conteúdo da enturmação é dado, só que de uma forma adaptada às necessidades tanto motoras como cognitivas e comportamentais dessa criança”, afirma.
Atualmente, não faltam dispositivos legais para defender essa inclusão como a Lei Berenice Piana – criada em 2012 como uma Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com transtornos do espectro autista -, a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Além de equiparar direitos universais, a lei também determina deveres às escolas – sejam públicas ou privadas – no que diz respeito à presença em sala de aula da criança autista em idade escolar. Mesmo assim, ainda há muita resistência a essas regras, fazendo com que pais dessas crianças precisem recorrer à Justiça para garantir os direitos dos filhos. Por fim, a especialista salienta que essa abordagem inclusiva adaptada não é por acaso e pode otimizar o avanço dessa criança. Por outro lado, a falta dela pode ter efeitos drásticos. “Quando é feito em parceria entre terapeutas, escola e família, todo o processo e procedimentos que envolvem o desenvolvimento da criança com autismo ou com atraso de desenvolvimento têm maior chance de dar muito certo. Contudo, quando há a fragmentação dessa parceria, o sucesso não é tão imediato e podem acontecer erros que serão cruciais para o desenvolvimento global dessa criança”, conclui.