16 de maio de 2024

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Afinal, o câncer caminha para se tornar uma doença crônica? Confira a entrevista exclusiva com a oncologista Clarissa Mathias

A oncologista Clarissa Mathias

Referência em Medicina Humanizada, a oncologista baiana, Clarissa Mathias, é presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e integra a equipe médica do NOB Oncoclínicas. A médica foi a primeira brasileira a coordenar o Comitê Internacional da American Society of Clinical Oncology (Asco), cargo que ocupou até  maio passado. A ASCO é uma das mais importantes instituições da oncologia no mundo.

ND – Os tratamentos para o câncer evoluíram muito, especialmente nos últimos 10 anos. Quais as perspectivas de cura de uma pessoa diagnosticada com a doença?

Os tratamentos para o câncer evoluíram bastante principalmente com a incorporação dos tratamentos baseados em achados moleculares através da terapia alvo e, mais recentemente, da imunoterapia, cronificando a doença, mesmo em estágios avançados.

As perpectivas de cura, mesmo diante dos avanços, permanecem baseadas na detecção precoce da doença com o tratamento multimodal que, muitas vezes inclui a cirurgia seguida por radioterapia e quimioterapia. Estudos mais recentes mostram resultados promissores com a incorporação das novas terapias descritas acima no controle da doença a longo prazo. 

ND –  O câncer caminha para se tornar uma doença crônica?

Sim, em vários pacientes, identificamos a cronificação da doença, principalmente nos candidatos a terapia alvo, exemplificando pacientes com câncer de mama her2 positivo, pacientes com câncer de pulmão com mutação ALK ou EGFR e pacientes com melanoma tratados com imunoterapia.

Nesta população, vale destacar a importância da manutenção da qualidade de vida com a inclusão da atenção multidisciplinar voltada para nutrição, fisioterapia e bem estar mental.

ND –  Os tratamentos estão cada vez mais individualizados. O perfil genético do paciente é importante para definir os tratamentos mais adequados?

O perfil genético é importante em determinadas doenças como pacientes protadoras de câncer de mama e ovário, diagnosticadas com mutações nos genes BRCA1 ou 2 e candidatas ao tratamento com inibidores de PARP.

O perfil molecular é mandatório para o tratamento individualizado em diversos tipos de tumores, tais como câncer de pulmão, mama, do trato gastrointestinal e melanoma.

ND – Alguns tratamentos como a hormonioterapia representam um avanço enorme na oncologia. Como age esse tratamento e em quais casos ele é indicado?  

A hormonioterapia é um tratamento antigo mas que vem sido mantido em câncer de mama, próstata e endométrio com modernizações ao longo do tempo e ganhos significativos de tempo de sobrevida com manutenção da qualidade de vida na maioria dos pacientes.

Existem pacientes, por exemplo, portadoras de câncer de mama metastático com envolvimento ósseo, responsivas a hormonioterapia com controle de doença ao longo de muitos anos.

ND –  É possível que no futuro grande parte das neoplasias seja tratada por medicamentos orais?

 A utilização de medicamentos orais em um grande número de pacientes já é uma realidade na atualidade. Vários medicamentos anti-hormonais, vários inibidores de tirosina cinase e outros medicamentos com alvos específicos são orais.

ND – O Brasil é exemplo mundial no combate ao tabagismo, de acordo com relatório divulgado pela OMS. Na última década, o país conseguiu reduzir 40% do número de fumantes em função das políticas de combate ao fumo que foram implementadas. Por que o câncer de pulmão, que tem no tabaco o seu principal fator de risco, ainda é o segundo mais frequentes entre homens e mulheres no país (sem considerar o câncer de pele não melanoma)?

Apesar da redução drástica no número de fumantes no Brasil, o número absoluto de fumantes ainda permanece elevado, os efeitos deletérios do cigarro permanecem por muitos anos mesmo após a cessação do tabagismo. Importante ressaltar que outros fatores são responsáveis pelo aumento de incidência em câncer de pulmão, incluindo poluição ambiental, exposição a altas temperaturas, obesidade.

ND – Quais são os principais fatores de risco para o desenvolvimento de um câncer?

 Os principais fatores de risco para o câncer são obesidade, tabagismo, alimentação inadequada contendo embutidos, excesso de carne vermelha, aumento da ingesta de álcool, redução da prática de exercícios físicos, excesso de exposição ao sol e contaminação com alguns tipos de virus tais como HPV e virus da hepatite.

ND – Mais de 50% da população brasileira sofre de sobrepeso e dois em cada 10 brasileiros sofrem de obesidade. A escalada da obesidade na população brasileira pode impactar no aumento dos casos de câncer?

 A obesidade é um fator importante no aumento dos casos de câncer no Brasil e em todo o mundo e vários trabalhos confirmam este risco. A obesidade produz fatores inflamatórios e alterações hormonais e também reduz a eficiência do sistema imunológico, levando a este aumento de risco.

 ND – É adequado falar em prevenção do câncer? A doença é evitável?

Cerca de 30% dos casos de câncer são evitáveis através da modificação de fatores de risco, tais como redução do tabagismo, controle da obesidade, adoção da prática regular de exercícios físicos, adesão aos programas vacinais, controle de exposição ao sol e ajustes na dieta.

ND –  Qual a participação dos fatores genéticos hereditários no desenvolvimento da doença?

Os fatores genéticos são responsáveis por apenas 10% dos casos de câncer. Vários genes são conhecidos na atualidade e, com base em uma história familiar bem investigada, diferentes genes podem ser avaliados. Ao longo dos anos, o custo destes exames foi reduzido o que possibilitou a investigação de um maior número de famílias.

ND – A desinformação pode ser considerada um fator de risco para o câncer, especialmente nos tempos atuais, quando as Fake News se propagam de forma altamente danosa?

Definitivamente as fake news colaboram para a não detecção precoce e para a adoção de comportamentos de risco que aumentam o risco de câncer. As fake news precisam ser combatidas e sites confiáveis devem ser procurados e as dúvidas devem ser discutidas com os médicos.

ND –     Vários estudos revelam a importância da espiritualidade e da fé para o enfrentamento de doenças como o câncer.  Qual sua opinião sobre o assunto?

Na minha opinião, a Espiritualidade é fundamental, tanto na complementação do tratamento dos pacientes portadores de câncer como no suporte às equipes de saúde que cuidam de pacientes oncológicos.

Considero tão fundamental que, durante a minha gestão como Presidente da Sociedade de Oncologia Clínica, estamos publicando, em breve, o Consenso sobre Espiritualidade!

ND –     Quais os principais desafios e perspectivas da oncologia no pós-pandemia do Covid-19?

A pandemia levou a um enorme atraso na realização de exames de rastreamento que são responsáveis pela detecção precoce e aumento da possibilidade de cura de pacientes. Em termos percentuais, ainda não sabemos o impacto deste atraso no aumento da incidência, aumento da mortalidade e aumento do custo nos pacientes oncológicos.

Pacientes oncológicos também possuem um risco maior de morte relacionada ao dianóstico de COVID, principalmente em pacientes portadores de câncer de pulmão e doenças hematológicas malignas.

Além disso, durante a pandemia, infelizmente, houve um aumento no consumo de bebidas alcoólicas e cigarros, além da redução da realização de exercícios físicos.

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